sábado, 12 de março de 2011

Cuba sim, em nome da verdade.


Cuba sim, em nome da verdade, foi o enredo monêmico (ou seria unânime) da escola de samba União da Ilha da Magia, campeã do carnaval 2011 em Florianópolis. O título da escola vem colocar uma pedra em cima de uma levantada discussão sobre o tema Cuba, escolhido pela escola como homenagem a um povo feliz, vencedor e de opções políticas diferentes da maioria de outras nações. Uma parte reacionária da sociedade e da imprensa catarinense, estado que raramente elegeu candidatos de partidos de esquerda, em diversas oportunidades, criticaram o enredo como polêmico. Observa-se que o enredo só passou a ser polêmico, pois a polêmica foi forçadamente levantada e o adjetivo passou a acompanhar o carnaval da UIM em noticiários e notas do jornalismo. Outra União da Ilha, a do Governador, da cidade do Rio de Janeiro, desfilou o enredo sobre Darwin na Sapucaí. Estranhamente, ninguém levantou o tema como polêmico, em um Estado de grande quantidade de evangélicos e crentes e onde um garotinho que fugiu da escola e virou governador tentou instituir o criacionismo nas escolas municipais, em detrimento ao darwinismo. Neste caso, simplesmente não se quis levantar a polêmica. Logo, o termo polêmico na escola da ilha do sul foi mais imposto pela má fé e ignorância de alguns do que pelo fato de realmente ser. Aliás, se a União da Ilha do Rio fosse julgada (não foi em função de um incêndio), qual seria a nota de Darwin no quesito evolução?

Da cogitação e polêmica prévias ao desfile há uma grande ponte sobre o rio de águas turbulentas. A procura por fantasias e a freqüência nos ensaios na praça da lagoa só aumentou, principalmente pela simpatia com o enredo. A escola aumentou consideravelmente as vendas de camisetas com a imagem de Che Guevara que, aliás, sempre esteve em alta. A escola aproximou mais e aumentou muito a simpatia com um povo alegre, forte e batalhador que possui muito mais semelhanças que diferenças com o brasileiro, abafando uma antipatia ou rivalidade vindas de uma época de combate a imagem comunista na ditadura militar e, posteriormente, de jogos memoráveis entre as seleções nacionais de voleibol, tanto nos mundiais como nas olimpíadas. Por que não mostrar os lados ruins da ditadura de Fidel em cuba? A resposta é simples: enredo de carnaval não é tese acadêmica de doutorado em história ou filosofia exigindo análises profundas, técnicas ou até verdadeiras. Carnaval é uma festa popular, de fantasias, de máscaras, onde o principal intuito é a diversão. O desfile de uma escola de samba é uma obra de arte montada como se produz uma ópera: com sua música, figurinos, cenário, personagens, cenas, fantasias, musas, histórias e, principalmente, sua platéia. A esta platéia é muito mais indicado a comédia que o drama. Acreditar que a escola, fazendo jus ao nome escola, deveria mostrar a verdade verdadeira é esperar que a Grande Rio, escola carioca que homenageou Florianópolis, entrasse na avenida com um carro alegórico que apresentasse a praça da alfândega com crianças fumando crack e cheirando cola ou até um carro alegórico com uma famosa árvore de natal de quatro milhões de reais com o Andrea Bocelli de destaque. Talvez o carnaval seja muito mais para se esquecer destes fatos do que lembrá-los.

O desfile em si foi unânime, quando a UIM entrou no sambódromo Nego Quirido, a possibilidade da recém criada escola de samba ganhar o título tornou-se evidente. A comissão de frente, nivelando-se com as melhores escolas do eixo Rio - São Paulo, arrancou aplausos de toda a arquibancada. Seu primeiro carro alegórico trouxe o execrável e aterrorizante Tio Sam, refletindo as influências e interferências norte-americanas em cuba; levou ao delírio uma nova leva de torcedores da arquibancada: aqueles que estudam história e filosofia na universidade federal, andam de camiseta vermelha e frequentam diretórios centrais de estudantes e centros acadêmicos. A bateria do mestre Dé e da rainha Catarina, vestida de “guerreiros unidos da revolução”, com suas boinas vermelhas (extremamente cobiçadas pelos turistas no fim do desfile), fez um desfile tecnicamente correto e militarmente excitante: batendo continência e reverenciando a assistência. Marcelo Perna, sempre de retórica eloqüente, cantou um samba simples e ingênuo, mas de fácil memorização com refrões que lembravam gritos de guerra. Passando pelo turismo, saúde, educação, a escola finaliza o desfile mostrando os velhos cabarés de Havana, como o cabaré Tropicana, onde a luso-brasileira Carmem Miranda se apresentou nos anos em que Cuba era o Balneário Camboriú dos americanos.

Certamente, a estrela que mais brilhou na passarela na noite de sábado para domingo deste carnaval não foi uma mulata gostosa com roupas pequenas e sambando muito, pelo contrário, foi a médica pediatra legista (será que existe profissão que exige mais sangue frio que esta?) Aleida Guevara, que desfilou no segundo carro alegórico representando a revolução cubana. Filha do ex-combatente Ernesto Che Guevara, Aleida foi convidada a desfilar pela diretoria da escola. Inicialmente custou a entender o que era um desfile de escola de samba e o que estava fazendo ali, entrando em uma avenida com arquibancadas lotadas aos lados, na frente de um canhão de brinquedo montado em cima de uma estrutura de metal toda decorada e com rodinhas. Seu carro alegórico vinha logo atrás da bateria e da ala das passistas, o que contagiou muito a visitante que saiu do desfile cantando o samba enredo da escola e com um lindo sorriso no rosto. Dizendo que estava ali representado todo o povo cubano e não só a figura do pai, respondeu também para uma emissora de televisão local: “Quando um povo se utiliza de sua festa mais popular para homenagear outro povo, isto deve ser um grande motivo de orgulho e alegria.” Aleida comentou também da felicidade das pessoas durante a festa; esteve na apuração dos votos e vibrou com a vitória da escola novata; participou emocionada do desfile das campeãs na noite de terça-feira. Imagine só o que esta mulher terá de histórias para contar para seus colegas de trabalho no Hospital de Havana, em seu retorna a Cuba.

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