domingo, 24 de outubro de 2010

História de Roma e formação do latim


A data oficial da fundação de Roma é 753 a. C.. Sem registros precisos sabe-se que o Estado Romano teve origem entre os séculos VIII e IX a. C. e cresceu progressivamente até atingir dimensões grandiosas no primeiro século de nossa era. A história de Roma se divide em três grandes fases, marcadas por seus regimes políticos: a Realeza (até 509 a.C.), a República (509 a. C. até 27 a. C.) e o Império (27 d.C. até 476 d. C).

Existe na história de Roma uma certa democratização crescente do poder iniciado pelos patrícios, classe fechada que comandava a cidade nos primeiros tempos e um progressivo ganho de espaço pelos plebeus. A chegada do Império não representa, como se poderia pensar, um retorno á oligarquia, mas um resultado natural da desordem militar e da demagogia política no fim do período republicano.

A expansão territorial iniciou-se no período republicano e intensificou-se no império. A conquista da península itálica ocorreu no século IV a. C. , posteriormente conquistou-se a Magna Grécia em III a. C. e a Europa mediterrânea no século seguinte. No final da república conquistou-se a Gália e a península ibérica e no início do Império Romano a Ásia Menor, a Mesopotâmia, o norte da África e até a Bretanha.

A lenta decadência do Império Romano iniciou-se com Trajano no século II d. C. e ocorreu principalmente pelo não controle de seu grande território. Aos poucos os bárbaros que haviam sido conquistados foram se aculturando, principalmente belicamente, pois muitos participavam como legionário e até oficiais do exército romano e foram retomando seus espaços.

Conforme o Império conquistava seus territórios o Latim se impunha como língua franca, embora os romanos respeitavam as tradições religiosas e lingüísticas de seus conquistados. Desta maneira o Latim influenciava e era influenciado pelas outras línguas. Existiam basicamente duas formas do Latim: o Latim Clássico, utilizado principalmente em Roma e pelos administradores do império em documentos oficiais e o Latim Vulgar, utilizado pelos soldados e pelos comerciantes. O Latim Clássico convergiu para o Latim utilizado principalmente pela Igreja Católica a partir da Idade Média em seu documentos e cultos e resulta no Latim hoje estudado. O Latim Vulgar popularizou-se entre a maioria dos moradores da Europa e, sendo uma mistura de várias outras línguas faladas por povos conquistados pelos romanos produziu as chamadas línguas românicas, em sua maioria faladas até hoje como o Português, o Francês, o Italiano, o Espanhol e o Romeno.
A formação do cânon literário.




Inicialmente a linguagem é uma forma de relação não injetora entre o real e o simbólico no qual um termo ou uma expressão visa representar uma situação na qual a interpretação depende das bases culturais do receptor. Desta maneira a cultura ocidental entende que dominar a linguagem é uma forma de poder e de imposição social sobre os que a não dominam. Para entender o conceito de cânon é relevante esta observação pois a escolha de um cânon literário é uma forma de formalizar um conjunto de obras que ratificam, justificam e impõe o poder social e cultural. Um texto contém dentro dele toda a experiência de outros textos e toda a relação com os significados de uma cultura e um tempo.

Na Grécia “Kanon” representava uma vara de medição e derivou para as línguas latinas com o sentido de norma ou lei. A primeira visão de canonização (mesma palavra aliás para definir que são os santos na religião católica) vem dos princípios do cristianismo quando escolheu-se quais textos fariam parte e quais textos não fariam da Bíblia, isto demonstra uma imposição de autoridade e de poder da igreja procurando quais verdades lhe interessavam. Na visão artística literária, o cânon representa um conjunto de obras consideradas obras-primas com um valor fundamentas para o patrimônio da humanidade e que deve ser conhecida pelas gerações futuras. Estes clássicos seriam incontestáveis e referência para a cultura universal (ou ocidental), mas qual seriam os critérios para inclusão ou exclusão de um texto nesta lista?

Uma possível explicação pela inclusão do uma obra no cânone esta relacionada com a estética, estimando o valor do texto que contém uma beleza literária, sem considerar valores externos. Esta é uma noção é ideológica e elitista mostrando mais uma vez a relação de qualidade como a relação de poder. Esta idéia inicia-se no final do século XIII e início do XIX, com a idéia de que esta suprema beleza rivaliza com as mazelas do capitalismo. Posteriormente, as universidades realizam esta tarefa de estratificação cultural elegendo as grandes obras a serem estudadas. Esta visão contem uma transmissão cultural da obra que exclui algumas extratificações sociais que exclui algumas camadas da sociedade, não incluindo neste cânone mulheres, africanos ou indígenas e aproximando a qualidade do homem, branco e europeu ( ou do WASP norte americano). È recente a inclusão de algumas mulheres, alguns latinos e alguns negros como autores de qualidade, ou seja , o ato de ler é um ato também político.

A composição do cânone brasileiro se inicia com um forte nacionalismo dos românticos, nacionalismo este que procura os valores da terra mas não perde a influência do ideais europeus, principalmente franceses. No final do século XIX, onde a cultura era extremamente elitista, até porque poucos eram as pessoas que possuíam livros e sabiam ler, temos a influência de dois críticos relativamente opostos que são Silvio Romero, valorizando mais a visão social e José Verissimo, valorizando mais o estilo e a forma do texto. Este mesmo entrave segue no século posterior com duas vertentes distintas, onde Afrânio Coutinho, em Conceito de literatura brasileira analisa mais a estilística, no modelo do “new cristicism” norte-americano e Antônio Cândido, de formação sociológica, na Formação da literatura brasileira, valoriza a relação da obra com o social.

Pode-se concluir então que alem de subjetiva e pessoal, a formação de um cânone literário é também social e política, divergindo de crítico para crítico, com critérios de inclusão e exclusão muito variantes.
O que é Literatura?

Antes de qualquer discussão, literatura é arte. Mas o que é arte? A arte apresenta vários conceitos. O mais consagrado é o de Aristóteles: “Arte é mimese” (espelho da vida, imitação da natureza, imitação da realidade a fim de buscar a perfeição ou o belo). Provavelmente não conseguiremos chegar a uma definição exata, delimitando seus contornos com o não artístico, do que é arte e provavelmente do que é literatura. Da mesma maneira, se algum dia você se perguntar o que é música, vai se deparar com o mesmo dilema, mas certamente a literatura, o teatro, a música são subconjuntos de um conjunto mais chamado arte. Literatura como entendemos pode ser o conjunto de obras escritas, ou mais especificamente a composição de obras de arte em que a palavra é a matéria-prima. Logo a literatura é a arte de escrever. A linguagem literária pode ser diferente da usada na comunicação diária. É uma linguagem que se preocupa mais com o aspecto estético, usa muito a conotação e a função poética, palavras que ganhem novos significados, portanto pode requer muito trabalho estético do autor.
Para José Luis Jobim, em seu texto História da Literatura, O conceito do que é uma obra literária tem suas bifurcações. Pode-se pensar que qualquer texto escrito e, as vezes, até um expressão não verbal pode ser literatura. Pode-se pensar, como imaginavam os formalistas russos, que a obra literária possui uma propriedade comum às obras literárias chamada literariedade ou, como Roman Jakobson, como aquilo que faz uma mensagem verbal uma obra de arte. A própria definição exata dos períodos literários e dos estilos de época são perigosas ou, no mínimo, subjetivas, dependendo de quem, onde e principalmente quando esta definição está sendo feita. A organização e classificação das obras literária é muito mais subjetiva que a própria obra. Quando um autor escreve, vários leitores o interpretaram de diversas maneiras.
Terry Eagleton, em seu livro Teoria da Literatura: uma introdução afirma: “Se a teoria literária existe, parece óbvio que haja alguma coisa chamada literatura, sobre o qual se teoriza.” Porem, prosseguindo no texto, e fazendo possíveis definições do tema, encontra para cada uma delas problemas e falhas em suas enunciações. Uma possível distinção inicial entre o literário e o não literário poderia estar na discriminação entre o fato e a ficção. Porém, podemos encontrar textos medievais e novelas de cavalaria onde algumas são ficções e outras revelam tentativas de relatar episódios reais reais. Esta distinção pode acontecer até no livro mais publicado e polêmico de todos os tempos: O Evangelho, ou A Bíblia que para alguns, transformar água em vinho, ressuscitar e uma mãe ter um filho sem manter relações sexuais são fatos reais, para outros, pura ficção. (Ainda bem que Gabriel Garcia Marques não nasceu há dois mil anos em Jerusalém e se tornou apóstolo, a neurose místico-evangélica-cristã seria surreal). Assim como a distinção entre o fato real e a ficção imaginativa atormentam as bases da religião, ela também se confronta na ciência. Poucos escritores literariamente consagrados conseguiram ser tão criativos e imaginativos com Einstein em sua teoria da relatividade geral e restrita: velocidade da luz não depender de referencial, espaço contrair, tempo dilatar e massa se relacionar com energia são tão fantásticos que a própria comunidade científica da época não entendeu com realidade.
Sobre os formalistas russo do início do século XX, Terry Eagleton também comenta sobre as valorizações das formas do texto, de seu estilo. Críticos militantes, engajados e políticos, opõem-se ao misticismo simbolista da crítica literária até o momento, propondo um caráter científico à análise do texto. Procura-se a verificação das estruturas da linguagem aplicando os conceitos lingüísticos em oposição ao conteúdo da mensagem. A obra literária é constituída de artifícios, figuras de linguagem que englobam som, imagem, ritmo, rima, métrica, técnicas e narrativas que provocam uma surpresa e um estranhamento no leitor, diferenciando o texto literário do texto comum. Nos desenvolvimento das narrativas os formalistas valorizavam os desvios, como os entraves e retardamentos provocando uma violência lingüística com diferencias, com originalidade. Mais uma vez, a tentativa de definição de literatura encontra limites não definidos; uma frase, pela definição dos formalistas pode ou não ser reconhecida como literária dependendo da aplicação de seu contexto. Podemos encontrar frases simples em grandes obras literárias e até excelentes poemas que contem frases simples e coloquiais mas que formam idéias geniais e de grande valor. Para esta visão os poemas: Poema tirado de uma notícia de jornal ou Pneumotórax de Manuel Bandeira ou até mesmo o Erro de português de Oswald de Andrade não teriam valores formais e literariedade suficientes para serem considerados arte.
Pode-se então pensar que qualquer forma de expressão é literatura, mas aí esbarra-se em discussões como saber se um texto histórico, um texto filosófico, uma tese científica ou até uma bula de remédio contém caráter literário ou não. Mais uma vez encontramos possíveis interpretações dos valores. O valor é subjetivo. Assim como a palavra comida pode se referir a tudo com que uma pessoa pode se alimentar, cada um vai ter seu gosto pessoal por alimentos que mais o satisfazem. Na literatura também temos isto, a literatura contem um conjunto gigantesco de obras que não há alguém que possa ter acesso a todas para definir o que pertence ao seu cânone ou não. Assim também não há duas pessoas que leram exatamente as mesmas obras. A literatura pode ser um DNA da alma, assim como cada corpo físico tem o seu DNA único, aleatório e individual, a literatura de cada um é também pessoal e única, criando dificuldades na elaboração de uma única resposta para a seguinte pergunta: O que é Literatura?
Clássicos: Ler, Reler e Ter.

Existem alguns livros que têm um significado muito grande para povos de certa cultura, alguns livros que possuem um significado maior ainda para um indivíduo. Costumamos chamá-los de clássicos (sem necessariamente associá-los à época ou escola literária do classicismo). Esta palavra: clássico, que hoje em dia pode até ser usada para partida de futebol entre Flamengo e Fluminense no Maracanã, uma banda de rock dos anos setenta que perdura até hoje ou um filme antigo de grande bilheteria, tem na literatura um significado muito amplo e até discutível que no mínimo significa: de respeito.
O italiano Italo Calvino em sua obra: Por que ler os clássicos, começa brincado com a seguinte definição: Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: “Estou relendo...” e nunca “Estou lendo...”. Esta afirmação de efeito específico para pessoas de mais idade que se consideram cultas, não tem obviamente muito efeito para os jovens, uma vez que estes costumam ter um contato compulsório com os clássicos no período escolar, podendo até criar um princípio de antipatia com a obra, principalmente por falta de bagagem para o entendimento do texto e de suas emoções. No que um garoto de dezesseis anos poderia se identificar com uma mulher formada adulta e adultera como Ema em Madame Bovary de Gustave Flaubert? Talvez seja mais fácil estes jovens se identificarem com alguns clássicos infanto-juvenis e então entenderem algumas da muitas intertextualidades de um filme com Shrek, um quase Dom Quixote atual da cinematografia infantil. Agora, da definição inicial de Italo Calvino, para os mais maduros e letrados o prefixo re em reler tem muito da vergonha de admitir que nunca leu uma obra considerada um clássico e de estar atrasado com sua formação cultural. O ego do conhecimento vezes ultrapassa o ego da beleza pessoal. Mas não há motivo para a preocupação, levante a mão quem já leu todos os romances de José de Alencar, de José Saramago ou de Jorge Amado? Ficou faltando algum conto de Machado de Assis ou de Guimarães Rosa para ser lido? Para seu deleite, sempre sobrará alguma obra importante para apreciação. Então Italo Calvino conclui: “Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.”.
Uma vez que a lista de clássicos pode se tornar interminável, vale a pena se ter o contato com alguns na juventude e outros em uma fase mais adulta. Privilegiados aqueles que têm fraqueza na memória e podem ler Dom Casmurro duas vezes quase com se fossem duas primeiras vezes: numa primeira, na adolescência, curtindo as brincadeiras infantis atrás do murro no quintal dos Páduas e o delicioso pentear de cabelos em Capitu por Bentinho, e, numa segunda vez mais maduro, recurtir a loucura do ciúme de Bentinho e das descrições de um texto fascinante de Machado de Assis. Assim como a releitura de um clássico e uma leitura de descobertas como da primeira vez. A primeira leitura, para quem tem relativa bagagem cultural, não é de toda crua, dado que muitas passagens dos clássicos estão embutidas nas convenções sociais. Dificilmente alguém vai ler Os Lusíadas sem saber que Vasco da Gama chega às índias ou ler Édipo Rei sem ter ouvido uma vez se falar de complexo de Édipo. Assim ainda Italo Calvino diz: “Os Clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precedem a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram.”.
Outro fator que os clássicos trazem em si é uma quantidade gigantesca de obras sobre o clássico. Livros que falam sobre livros e que interferem, de modo positivo ou até mais negativo, na posterior leitura. Estas obras atraem, até por força da necessidade de produção acadêmica para dissertações e teses, repetindo ou inventando barbúrias sobre o texto. A leitura virgem do texto contém um prazer de descoberta muito maior do que a orientada (ou desorientada). Não vamos retirar o prazer da perda do hímen literário daqueles que ainda o podem ter. Mário Quintana, autor de pensamentos como: “Uma definição apenas define os definidores.” ridiculariza esta academização dos textos sobre os textos com duas anedotas deliciosas:

“Essa mania de ler sobre autores fez com que, no último centenário de Shakespeare, se travasse entre uma professorinha do interior e este escriba o seguinte diálogo:
- Que devo ler para conhecer Shakespeare?
- Shakespeare.”

ou então:

“- Você ainda não leu O Significado do Significado? Não?Assim você nunca fica em dia.
- Mas eu estou só esperando que apareça O Significado do Significado do Significado.”

Estas idéias remetem a uma frase do amigo e poeta Julio Paulo Marcondes: “Quem sabe faz, quem não sabe ensina!”, sobre críticos das críticas ou ainda, do mesmo autor: “Escritores, cineastas e artistas em geral são críticos frustrados!”. Noel Rosa não fica atrás (nem na frente): “Samba não se aprende no colégio.” Assim Italo Calvino também diz: “Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente a repele para longe”.
Outro fator importante do clássico é a pessoalidade, a relação que este tem com o leitor e a interferência que nele causa. O cânone pessoal. Se pedires para várias pessoas para indicar os dez livros mais importantes para a humanidade, dificilmente ter-se-á uma intersecção completa. Assim como nos anos oitenta chegava-se a residência de uma pessoa e falava-se: “Posso ver sua coleção de discos (hoje vinis)”, a biblioteca de cada um é uma eleição de seus clássicos. Uma professora de literatura da UFSC constantemente comenta: “Esse é que nem bíblia de hotel, tem que ter na gaveta”. O mesmo Júlio Paulo Marcondes citado acima chega um dia feliz da vida e barda: “Conheci a Biblioteca do José Mindilim”. Então recebe como resposta: “Conheceu o José Mindilim ou sua biblioteca?” E sabiamente completa: “A melhor maneira de conhecer uma pessoa é conhecendo sua biblioteca, logo, os dois.” Será que ele já leu toda sua biblioteca? O sonho de todo grande homem é um dia poder ler toda sua biblioteca.
Mário Prata, um mineiro paulista virando mané.



Os Viúvos
Autor: Mario Prata
Formato: 16x23 cm
Brochura
Nº de páginas: 288
Preço: R$ 39,90

Mário Prata já é um dos maiores escritores brasileiros por sua qualidade e quantidade de trabalho em diversas áreas que a função permite praticar: jornalismo, romances, crônicas, resenhas, teatro e televisão. Algumas de suas obras mais populares são as telenovelas: Estúpido Cupido, novela clássica de 1976 sobre a época dos anos dourados no Brasil; Que rei sou eu?, uma das mais geniais criações da televisão brasileira fazendo uma metáfora medieval da política do Brasil da abertura e, de 2005, a recente e não consagrada pela audiência Bang Bang onde se percebe um distanciamento entre a criatividade do autor e a mediocridade dos telespectadores da última década. O Casamento de Romeu e Julieta, trazendo a velha história da rivalidade de famílias para uma disputa paulistana de corintianos e palmeirenses é uma de suas obras mais conhecidas para o cinema. Na literatura, destacam-se Schifaizfavoire, Purgatório e James Lins, um playboy que não deu certo. Esta última rotula bem o adjetivo paulista a Mario Prata, contando sua infância em Lins e episódios na capital paulista.
Os últimos dois livros do autor, Sete de Paus e Os Viúvos, são romances policiais escritos e passados em Floripa onde o autor optou morar desde 2000. Florianópolis é a capital institucional do Estado de Santa Catarina, que a maioria dos brasileiros conhece primeiro na escola, posteriormente visita em turismo e, depois, sonha morar um dia. Floripa é a cidade das pessoas comuns que nela vivem, trabalham, caminham nas suas ruas, praias, trilhas, logradouros e, ali, tem suas famílias e amigos do dia a dia. É nesta Floripa simples e simpática, que empresta o nome de várias de suas praias, bairros e ruas aos nomes dos capítulos, que se passa a história de Os Viúvos.
Há uma discussão ou masturbação mental, desnecessária e principalmente acadêmica, em definir o que é literatura catarinense; Cruz e Souza, nascido no desterro, viveu e produziu sua obra literária no Rio de Janeiro com poucas referências ou influências setentrionais e é tido como ícone da literatura catarinense. O que dizer de Mário Prata que nasceu e viveu a maior parte da vida em outros Estados, mas agora mora, escreve e descreve uma Floripa atual, real e fantástica com detalhes que são cada vez mais percebidos pelos leitores quanto maior seu contato, vivência ou conhecimento da Ilha da Magia? O detetive Ugo Fioravanti Neto já faz parte do cânone cultural de Floripa, e Mário Prata já pode se candidatar ao troféu Manezinho da Ilha e herdar o adjetivo catarinense a suas qualidades; talvez já esteja trocando o vermelho do Linense pelo azul do Avaí.
Com característica semiótica de transpassar pelos gêneros do teatro, cinema, televisão, jornal, entre outros, Mario Prata brinca muito bem com uma narrativa original e criativa, onde dois narradores dividem os capítulos, ora narrados pelo narrador oficial, o detetive Fioravanti, ora via email por E. R. N., seu opositor na divertida perseguição de gato e rato que decorre ao longo do livro que pode ser classificado como um romance policial, um almanaque de Floripa, uma denúncia e vingança pessoal às instituições monetárias e fiscais ou um roteiro de filme. O próprio Mário Prata o define como seu segundo policial de cinco que pretende escrever com o detetive Fioravanti como protagonista. Esta técnica de múltiplos narradores e originalidade na transmissão da história já havia sido muito bem utilizada em James Lins, um romance policial às avessas que já premedita esta tendência de mistura entre policial e humor, que torna o policial mais leve e o humor mais irônico e crítico. O livro já difere dos tradicionais policias, muito estudados e citados pelo autor na própria obra, pois nas primeiras linhas antecipa quem é o assassino e o assassinado, sem tirar a apreensão do leitor durante a leitura, modelo inspirado no livro Um assassino entre nós da inglesa Ruth Rendell. A descrição das personagens nas notas de rodapé são originais e deliciosas, tornando a compreensão do texto mais fluente. A dedicatória dispensa comentários: Para Digma, modelo.
A história tem dois paralelos: o sequestro e assassinato do contador por E.R.N. e a busca da proprietária de um lindo cu a pedido de um príncipe de Dubai. O príncipe chega ao escritório de Fioravanti, dizendo ter passado o último verão em Florianópolis e se apaixonado por uma garota de programa, a qual pretende se casar e levar para a Arábia; entrega duzentos mil dinares das Ilhas Bahrain e mais duzentos mil se o detetive e policial federal aposentado descobrir onde está a menina. Acontece que a única pista é uma fotografia, detalhe: do cu da moça. Esta foto em posse de seu fiel auxiliar Darwin Matarazzo causará muitos problemas ao seu casamento com a obesa Fabiana. Inclusive vale citar que Darwin, como em Sete de Paus, é o autor da orelha do livro, outro item não comum da obra: ter personagem como orelhista. Este resenhista, em respeito a Mario Prata e a sua obra, não pede desculpas pelo uso da palavra cu neste texto, até porque, no livro, o cu é uma das coisas mais limpas e leves da história. O capítulo da visita de Tinha, namorada de 21 anos de idade de Fioravanti, ao proctologista para análise da foto e consequentemente do cu da procurada, é surreal: divertidíssimo e interessantíssimo. A sujeira mesmo é institucional e está na outra trama do romance. Se o leitor se assustou com o uso da palavra cu, o livro não é para ti. O cu é limpo. O cu é lindo.
A outra aventura de Fioravanti inspira-se em uma experiência pessoal de Mario Prata com um contador estelionatário, com uma Receita Federal ilógica e com uma burocracia sistematizada ao extremo. A relação entre E.R.N. e Fiori se dá por email e pela literatura policial a qual ambos são admiradores. Fiori tenta também desvendar dois sequestros de duas bancárias que podem ou não ter relação com os emails de E.R.N., alem de administrar seu triângulo amoroso com sua antiga namorada e a filha desta e também reconciliar seu auxiliar Darvin que brigou com sua mulher por causa do já citado cu. O autor coloca seus desejos pessoais de vingança e nojo no sequestrador e assasino E.R.N. e critica com maestria e ironia instituições como o sistema bancário e o sistema de arrecadação de impostos nacionais. Muitos leitores, assim como Fiori, irão se identificar com o pensamento e as atitudes de E.R.N. e encontrarão um final também surpreedente.
Ganha a literatura brasileira com o livro, ganha o leitor, ganha a cidade de Florianópolis e perde a Receita Federal do Brasil, seu ministro, seus funcionários, juízes federais, contadores, oficiais de justiça, advogados, banqueiros e bancários que são execrados e humilhados por Mário Prata ao longo de livro e principalmente no prólogo onde declara a eles “Com máximo respeito e máxima gratidão, senhores, senhoras e senhoritas, quero que vos fodais!!!” A obra certamente durará mais que o parcelamento da dívida do autor com a receita federal .

MAzinho Sol, escritor, jornalista, crítico, compositor, músico, produtor artístico ou qualquer outra destas coisas que você pode se designar sem comprovação documental acadêmica.