domingo, 24 de outubro de 2010

Mário Prata, um mineiro paulista virando mané.



Os Viúvos
Autor: Mario Prata
Formato: 16x23 cm
Brochura
Nº de páginas: 288
Preço: R$ 39,90

Mário Prata já é um dos maiores escritores brasileiros por sua qualidade e quantidade de trabalho em diversas áreas que a função permite praticar: jornalismo, romances, crônicas, resenhas, teatro e televisão. Algumas de suas obras mais populares são as telenovelas: Estúpido Cupido, novela clássica de 1976 sobre a época dos anos dourados no Brasil; Que rei sou eu?, uma das mais geniais criações da televisão brasileira fazendo uma metáfora medieval da política do Brasil da abertura e, de 2005, a recente e não consagrada pela audiência Bang Bang onde se percebe um distanciamento entre a criatividade do autor e a mediocridade dos telespectadores da última década. O Casamento de Romeu e Julieta, trazendo a velha história da rivalidade de famílias para uma disputa paulistana de corintianos e palmeirenses é uma de suas obras mais conhecidas para o cinema. Na literatura, destacam-se Schifaizfavoire, Purgatório e James Lins, um playboy que não deu certo. Esta última rotula bem o adjetivo paulista a Mario Prata, contando sua infância em Lins e episódios na capital paulista.
Os últimos dois livros do autor, Sete de Paus e Os Viúvos, são romances policiais escritos e passados em Floripa onde o autor optou morar desde 2000. Florianópolis é a capital institucional do Estado de Santa Catarina, que a maioria dos brasileiros conhece primeiro na escola, posteriormente visita em turismo e, depois, sonha morar um dia. Floripa é a cidade das pessoas comuns que nela vivem, trabalham, caminham nas suas ruas, praias, trilhas, logradouros e, ali, tem suas famílias e amigos do dia a dia. É nesta Floripa simples e simpática, que empresta o nome de várias de suas praias, bairros e ruas aos nomes dos capítulos, que se passa a história de Os Viúvos.
Há uma discussão ou masturbação mental, desnecessária e principalmente acadêmica, em definir o que é literatura catarinense; Cruz e Souza, nascido no desterro, viveu e produziu sua obra literária no Rio de Janeiro com poucas referências ou influências setentrionais e é tido como ícone da literatura catarinense. O que dizer de Mário Prata que nasceu e viveu a maior parte da vida em outros Estados, mas agora mora, escreve e descreve uma Floripa atual, real e fantástica com detalhes que são cada vez mais percebidos pelos leitores quanto maior seu contato, vivência ou conhecimento da Ilha da Magia? O detetive Ugo Fioravanti Neto já faz parte do cânone cultural de Floripa, e Mário Prata já pode se candidatar ao troféu Manezinho da Ilha e herdar o adjetivo catarinense a suas qualidades; talvez já esteja trocando o vermelho do Linense pelo azul do Avaí.
Com característica semiótica de transpassar pelos gêneros do teatro, cinema, televisão, jornal, entre outros, Mario Prata brinca muito bem com uma narrativa original e criativa, onde dois narradores dividem os capítulos, ora narrados pelo narrador oficial, o detetive Fioravanti, ora via email por E. R. N., seu opositor na divertida perseguição de gato e rato que decorre ao longo do livro que pode ser classificado como um romance policial, um almanaque de Floripa, uma denúncia e vingança pessoal às instituições monetárias e fiscais ou um roteiro de filme. O próprio Mário Prata o define como seu segundo policial de cinco que pretende escrever com o detetive Fioravanti como protagonista. Esta técnica de múltiplos narradores e originalidade na transmissão da história já havia sido muito bem utilizada em James Lins, um romance policial às avessas que já premedita esta tendência de mistura entre policial e humor, que torna o policial mais leve e o humor mais irônico e crítico. O livro já difere dos tradicionais policias, muito estudados e citados pelo autor na própria obra, pois nas primeiras linhas antecipa quem é o assassino e o assassinado, sem tirar a apreensão do leitor durante a leitura, modelo inspirado no livro Um assassino entre nós da inglesa Ruth Rendell. A descrição das personagens nas notas de rodapé são originais e deliciosas, tornando a compreensão do texto mais fluente. A dedicatória dispensa comentários: Para Digma, modelo.
A história tem dois paralelos: o sequestro e assassinato do contador por E.R.N. e a busca da proprietária de um lindo cu a pedido de um príncipe de Dubai. O príncipe chega ao escritório de Fioravanti, dizendo ter passado o último verão em Florianópolis e se apaixonado por uma garota de programa, a qual pretende se casar e levar para a Arábia; entrega duzentos mil dinares das Ilhas Bahrain e mais duzentos mil se o detetive e policial federal aposentado descobrir onde está a menina. Acontece que a única pista é uma fotografia, detalhe: do cu da moça. Esta foto em posse de seu fiel auxiliar Darwin Matarazzo causará muitos problemas ao seu casamento com a obesa Fabiana. Inclusive vale citar que Darwin, como em Sete de Paus, é o autor da orelha do livro, outro item não comum da obra: ter personagem como orelhista. Este resenhista, em respeito a Mario Prata e a sua obra, não pede desculpas pelo uso da palavra cu neste texto, até porque, no livro, o cu é uma das coisas mais limpas e leves da história. O capítulo da visita de Tinha, namorada de 21 anos de idade de Fioravanti, ao proctologista para análise da foto e consequentemente do cu da procurada, é surreal: divertidíssimo e interessantíssimo. A sujeira mesmo é institucional e está na outra trama do romance. Se o leitor se assustou com o uso da palavra cu, o livro não é para ti. O cu é limpo. O cu é lindo.
A outra aventura de Fioravanti inspira-se em uma experiência pessoal de Mario Prata com um contador estelionatário, com uma Receita Federal ilógica e com uma burocracia sistematizada ao extremo. A relação entre E.R.N. e Fiori se dá por email e pela literatura policial a qual ambos são admiradores. Fiori tenta também desvendar dois sequestros de duas bancárias que podem ou não ter relação com os emails de E.R.N., alem de administrar seu triângulo amoroso com sua antiga namorada e a filha desta e também reconciliar seu auxiliar Darvin que brigou com sua mulher por causa do já citado cu. O autor coloca seus desejos pessoais de vingança e nojo no sequestrador e assasino E.R.N. e critica com maestria e ironia instituições como o sistema bancário e o sistema de arrecadação de impostos nacionais. Muitos leitores, assim como Fiori, irão se identificar com o pensamento e as atitudes de E.R.N. e encontrarão um final também surpreedente.
Ganha a literatura brasileira com o livro, ganha o leitor, ganha a cidade de Florianópolis e perde a Receita Federal do Brasil, seu ministro, seus funcionários, juízes federais, contadores, oficiais de justiça, advogados, banqueiros e bancários que são execrados e humilhados por Mário Prata ao longo de livro e principalmente no prólogo onde declara a eles “Com máximo respeito e máxima gratidão, senhores, senhoras e senhoritas, quero que vos fodais!!!” A obra certamente durará mais que o parcelamento da dívida do autor com a receita federal .

MAzinho Sol, escritor, jornalista, crítico, compositor, músico, produtor artístico ou qualquer outra destas coisas que você pode se designar sem comprovação documental acadêmica.

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