História de Roma e formação do latim
A data oficial da fundação de Roma é 753 a. C.. Sem registros precisos sabe-se que o Estado Romano teve origem entre os séculos VIII e IX a. C. e cresceu progressivamente até atingir dimensões grandiosas no primeiro século de nossa era. A história de Roma se divide em três grandes fases, marcadas por seus regimes políticos: a Realeza (até 509 a.C.), a República (509 a. C. até 27 a. C.) e o Império (27 d.C. até 476 d. C).
Existe na história de Roma uma certa democratização crescente do poder iniciado pelos patrícios, classe fechada que comandava a cidade nos primeiros tempos e um progressivo ganho de espaço pelos plebeus. A chegada do Império não representa, como se poderia pensar, um retorno á oligarquia, mas um resultado natural da desordem militar e da demagogia política no fim do período republicano.
A expansão territorial iniciou-se no período republicano e intensificou-se no império. A conquista da península itálica ocorreu no século IV a. C. , posteriormente conquistou-se a Magna Grécia em III a. C. e a Europa mediterrânea no século seguinte. No final da república conquistou-se a Gália e a península ibérica e no início do Império Romano a Ásia Menor, a Mesopotâmia, o norte da África e até a Bretanha.
A lenta decadência do Império Romano iniciou-se com Trajano no século II d. C. e ocorreu principalmente pelo não controle de seu grande território. Aos poucos os bárbaros que haviam sido conquistados foram se aculturando, principalmente belicamente, pois muitos participavam como legionário e até oficiais do exército romano e foram retomando seus espaços.
Conforme o Império conquistava seus territórios o Latim se impunha como língua franca, embora os romanos respeitavam as tradições religiosas e lingüísticas de seus conquistados. Desta maneira o Latim influenciava e era influenciado pelas outras línguas. Existiam basicamente duas formas do Latim: o Latim Clássico, utilizado principalmente em Roma e pelos administradores do império em documentos oficiais e o Latim Vulgar, utilizado pelos soldados e pelos comerciantes. O Latim Clássico convergiu para o Latim utilizado principalmente pela Igreja Católica a partir da Idade Média em seu documentos e cultos e resulta no Latim hoje estudado. O Latim Vulgar popularizou-se entre a maioria dos moradores da Europa e, sendo uma mistura de várias outras línguas faladas por povos conquistados pelos romanos produziu as chamadas línguas românicas, em sua maioria faladas até hoje como o Português, o Francês, o Italiano, o Espanhol e o Romeno.
domingo, 24 de outubro de 2010
A formação do cânon literário.
Inicialmente a linguagem é uma forma de relação não injetora entre o real e o simbólico no qual um termo ou uma expressão visa representar uma situação na qual a interpretação depende das bases culturais do receptor. Desta maneira a cultura ocidental entende que dominar a linguagem é uma forma de poder e de imposição social sobre os que a não dominam. Para entender o conceito de cânon é relevante esta observação pois a escolha de um cânon literário é uma forma de formalizar um conjunto de obras que ratificam, justificam e impõe o poder social e cultural. Um texto contém dentro dele toda a experiência de outros textos e toda a relação com os significados de uma cultura e um tempo.
Na Grécia “Kanon” representava uma vara de medição e derivou para as línguas latinas com o sentido de norma ou lei. A primeira visão de canonização (mesma palavra aliás para definir que são os santos na religião católica) vem dos princípios do cristianismo quando escolheu-se quais textos fariam parte e quais textos não fariam da Bíblia, isto demonstra uma imposição de autoridade e de poder da igreja procurando quais verdades lhe interessavam. Na visão artística literária, o cânon representa um conjunto de obras consideradas obras-primas com um valor fundamentas para o patrimônio da humanidade e que deve ser conhecida pelas gerações futuras. Estes clássicos seriam incontestáveis e referência para a cultura universal (ou ocidental), mas qual seriam os critérios para inclusão ou exclusão de um texto nesta lista?
Uma possível explicação pela inclusão do uma obra no cânone esta relacionada com a estética, estimando o valor do texto que contém uma beleza literária, sem considerar valores externos. Esta é uma noção é ideológica e elitista mostrando mais uma vez a relação de qualidade como a relação de poder. Esta idéia inicia-se no final do século XIII e início do XIX, com a idéia de que esta suprema beleza rivaliza com as mazelas do capitalismo. Posteriormente, as universidades realizam esta tarefa de estratificação cultural elegendo as grandes obras a serem estudadas. Esta visão contem uma transmissão cultural da obra que exclui algumas extratificações sociais que exclui algumas camadas da sociedade, não incluindo neste cânone mulheres, africanos ou indígenas e aproximando a qualidade do homem, branco e europeu ( ou do WASP norte americano). È recente a inclusão de algumas mulheres, alguns latinos e alguns negros como autores de qualidade, ou seja , o ato de ler é um ato também político.
A composição do cânone brasileiro se inicia com um forte nacionalismo dos românticos, nacionalismo este que procura os valores da terra mas não perde a influência do ideais europeus, principalmente franceses. No final do século XIX, onde a cultura era extremamente elitista, até porque poucos eram as pessoas que possuíam livros e sabiam ler, temos a influência de dois críticos relativamente opostos que são Silvio Romero, valorizando mais a visão social e José Verissimo, valorizando mais o estilo e a forma do texto. Este mesmo entrave segue no século posterior com duas vertentes distintas, onde Afrânio Coutinho, em Conceito de literatura brasileira analisa mais a estilística, no modelo do “new cristicism” norte-americano e Antônio Cândido, de formação sociológica, na Formação da literatura brasileira, valoriza a relação da obra com o social.
Pode-se concluir então que alem de subjetiva e pessoal, a formação de um cânone literário é também social e política, divergindo de crítico para crítico, com critérios de inclusão e exclusão muito variantes.
Inicialmente a linguagem é uma forma de relação não injetora entre o real e o simbólico no qual um termo ou uma expressão visa representar uma situação na qual a interpretação depende das bases culturais do receptor. Desta maneira a cultura ocidental entende que dominar a linguagem é uma forma de poder e de imposição social sobre os que a não dominam. Para entender o conceito de cânon é relevante esta observação pois a escolha de um cânon literário é uma forma de formalizar um conjunto de obras que ratificam, justificam e impõe o poder social e cultural. Um texto contém dentro dele toda a experiência de outros textos e toda a relação com os significados de uma cultura e um tempo.
Na Grécia “Kanon” representava uma vara de medição e derivou para as línguas latinas com o sentido de norma ou lei. A primeira visão de canonização (mesma palavra aliás para definir que são os santos na religião católica) vem dos princípios do cristianismo quando escolheu-se quais textos fariam parte e quais textos não fariam da Bíblia, isto demonstra uma imposição de autoridade e de poder da igreja procurando quais verdades lhe interessavam. Na visão artística literária, o cânon representa um conjunto de obras consideradas obras-primas com um valor fundamentas para o patrimônio da humanidade e que deve ser conhecida pelas gerações futuras. Estes clássicos seriam incontestáveis e referência para a cultura universal (ou ocidental), mas qual seriam os critérios para inclusão ou exclusão de um texto nesta lista?
Uma possível explicação pela inclusão do uma obra no cânone esta relacionada com a estética, estimando o valor do texto que contém uma beleza literária, sem considerar valores externos. Esta é uma noção é ideológica e elitista mostrando mais uma vez a relação de qualidade como a relação de poder. Esta idéia inicia-se no final do século XIII e início do XIX, com a idéia de que esta suprema beleza rivaliza com as mazelas do capitalismo. Posteriormente, as universidades realizam esta tarefa de estratificação cultural elegendo as grandes obras a serem estudadas. Esta visão contem uma transmissão cultural da obra que exclui algumas extratificações sociais que exclui algumas camadas da sociedade, não incluindo neste cânone mulheres, africanos ou indígenas e aproximando a qualidade do homem, branco e europeu ( ou do WASP norte americano). È recente a inclusão de algumas mulheres, alguns latinos e alguns negros como autores de qualidade, ou seja , o ato de ler é um ato também político.
A composição do cânone brasileiro se inicia com um forte nacionalismo dos românticos, nacionalismo este que procura os valores da terra mas não perde a influência do ideais europeus, principalmente franceses. No final do século XIX, onde a cultura era extremamente elitista, até porque poucos eram as pessoas que possuíam livros e sabiam ler, temos a influência de dois críticos relativamente opostos que são Silvio Romero, valorizando mais a visão social e José Verissimo, valorizando mais o estilo e a forma do texto. Este mesmo entrave segue no século posterior com duas vertentes distintas, onde Afrânio Coutinho, em Conceito de literatura brasileira analisa mais a estilística, no modelo do “new cristicism” norte-americano e Antônio Cândido, de formação sociológica, na Formação da literatura brasileira, valoriza a relação da obra com o social.
Pode-se concluir então que alem de subjetiva e pessoal, a formação de um cânone literário é também social e política, divergindo de crítico para crítico, com critérios de inclusão e exclusão muito variantes.
O que é Literatura?
Antes de qualquer discussão, literatura é arte. Mas o que é arte? A arte apresenta vários conceitos. O mais consagrado é o de Aristóteles: “Arte é mimese” (espelho da vida, imitação da natureza, imitação da realidade a fim de buscar a perfeição ou o belo). Provavelmente não conseguiremos chegar a uma definição exata, delimitando seus contornos com o não artístico, do que é arte e provavelmente do que é literatura. Da mesma maneira, se algum dia você se perguntar o que é música, vai se deparar com o mesmo dilema, mas certamente a literatura, o teatro, a música são subconjuntos de um conjunto mais chamado arte. Literatura como entendemos pode ser o conjunto de obras escritas, ou mais especificamente a composição de obras de arte em que a palavra é a matéria-prima. Logo a literatura é a arte de escrever. A linguagem literária pode ser diferente da usada na comunicação diária. É uma linguagem que se preocupa mais com o aspecto estético, usa muito a conotação e a função poética, palavras que ganhem novos significados, portanto pode requer muito trabalho estético do autor.
Para José Luis Jobim, em seu texto História da Literatura, O conceito do que é uma obra literária tem suas bifurcações. Pode-se pensar que qualquer texto escrito e, as vezes, até um expressão não verbal pode ser literatura. Pode-se pensar, como imaginavam os formalistas russos, que a obra literária possui uma propriedade comum às obras literárias chamada literariedade ou, como Roman Jakobson, como aquilo que faz uma mensagem verbal uma obra de arte. A própria definição exata dos períodos literários e dos estilos de época são perigosas ou, no mínimo, subjetivas, dependendo de quem, onde e principalmente quando esta definição está sendo feita. A organização e classificação das obras literária é muito mais subjetiva que a própria obra. Quando um autor escreve, vários leitores o interpretaram de diversas maneiras.
Terry Eagleton, em seu livro Teoria da Literatura: uma introdução afirma: “Se a teoria literária existe, parece óbvio que haja alguma coisa chamada literatura, sobre o qual se teoriza.” Porem, prosseguindo no texto, e fazendo possíveis definições do tema, encontra para cada uma delas problemas e falhas em suas enunciações. Uma possível distinção inicial entre o literário e o não literário poderia estar na discriminação entre o fato e a ficção. Porém, podemos encontrar textos medievais e novelas de cavalaria onde algumas são ficções e outras revelam tentativas de relatar episódios reais reais. Esta distinção pode acontecer até no livro mais publicado e polêmico de todos os tempos: O Evangelho, ou A Bíblia que para alguns, transformar água em vinho, ressuscitar e uma mãe ter um filho sem manter relações sexuais são fatos reais, para outros, pura ficção. (Ainda bem que Gabriel Garcia Marques não nasceu há dois mil anos em Jerusalém e se tornou apóstolo, a neurose místico-evangélica-cristã seria surreal). Assim como a distinção entre o fato real e a ficção imaginativa atormentam as bases da religião, ela também se confronta na ciência. Poucos escritores literariamente consagrados conseguiram ser tão criativos e imaginativos com Einstein em sua teoria da relatividade geral e restrita: velocidade da luz não depender de referencial, espaço contrair, tempo dilatar e massa se relacionar com energia são tão fantásticos que a própria comunidade científica da época não entendeu com realidade.
Sobre os formalistas russo do início do século XX, Terry Eagleton também comenta sobre as valorizações das formas do texto, de seu estilo. Críticos militantes, engajados e políticos, opõem-se ao misticismo simbolista da crítica literária até o momento, propondo um caráter científico à análise do texto. Procura-se a verificação das estruturas da linguagem aplicando os conceitos lingüísticos em oposição ao conteúdo da mensagem. A obra literária é constituída de artifícios, figuras de linguagem que englobam som, imagem, ritmo, rima, métrica, técnicas e narrativas que provocam uma surpresa e um estranhamento no leitor, diferenciando o texto literário do texto comum. Nos desenvolvimento das narrativas os formalistas valorizavam os desvios, como os entraves e retardamentos provocando uma violência lingüística com diferencias, com originalidade. Mais uma vez, a tentativa de definição de literatura encontra limites não definidos; uma frase, pela definição dos formalistas pode ou não ser reconhecida como literária dependendo da aplicação de seu contexto. Podemos encontrar frases simples em grandes obras literárias e até excelentes poemas que contem frases simples e coloquiais mas que formam idéias geniais e de grande valor. Para esta visão os poemas: Poema tirado de uma notícia de jornal ou Pneumotórax de Manuel Bandeira ou até mesmo o Erro de português de Oswald de Andrade não teriam valores formais e literariedade suficientes para serem considerados arte.
Pode-se então pensar que qualquer forma de expressão é literatura, mas aí esbarra-se em discussões como saber se um texto histórico, um texto filosófico, uma tese científica ou até uma bula de remédio contém caráter literário ou não. Mais uma vez encontramos possíveis interpretações dos valores. O valor é subjetivo. Assim como a palavra comida pode se referir a tudo com que uma pessoa pode se alimentar, cada um vai ter seu gosto pessoal por alimentos que mais o satisfazem. Na literatura também temos isto, a literatura contem um conjunto gigantesco de obras que não há alguém que possa ter acesso a todas para definir o que pertence ao seu cânone ou não. Assim também não há duas pessoas que leram exatamente as mesmas obras. A literatura pode ser um DNA da alma, assim como cada corpo físico tem o seu DNA único, aleatório e individual, a literatura de cada um é também pessoal e única, criando dificuldades na elaboração de uma única resposta para a seguinte pergunta: O que é Literatura?
Antes de qualquer discussão, literatura é arte. Mas o que é arte? A arte apresenta vários conceitos. O mais consagrado é o de Aristóteles: “Arte é mimese” (espelho da vida, imitação da natureza, imitação da realidade a fim de buscar a perfeição ou o belo). Provavelmente não conseguiremos chegar a uma definição exata, delimitando seus contornos com o não artístico, do que é arte e provavelmente do que é literatura. Da mesma maneira, se algum dia você se perguntar o que é música, vai se deparar com o mesmo dilema, mas certamente a literatura, o teatro, a música são subconjuntos de um conjunto mais chamado arte. Literatura como entendemos pode ser o conjunto de obras escritas, ou mais especificamente a composição de obras de arte em que a palavra é a matéria-prima. Logo a literatura é a arte de escrever. A linguagem literária pode ser diferente da usada na comunicação diária. É uma linguagem que se preocupa mais com o aspecto estético, usa muito a conotação e a função poética, palavras que ganhem novos significados, portanto pode requer muito trabalho estético do autor.
Para José Luis Jobim, em seu texto História da Literatura, O conceito do que é uma obra literária tem suas bifurcações. Pode-se pensar que qualquer texto escrito e, as vezes, até um expressão não verbal pode ser literatura. Pode-se pensar, como imaginavam os formalistas russos, que a obra literária possui uma propriedade comum às obras literárias chamada literariedade ou, como Roman Jakobson, como aquilo que faz uma mensagem verbal uma obra de arte. A própria definição exata dos períodos literários e dos estilos de época são perigosas ou, no mínimo, subjetivas, dependendo de quem, onde e principalmente quando esta definição está sendo feita. A organização e classificação das obras literária é muito mais subjetiva que a própria obra. Quando um autor escreve, vários leitores o interpretaram de diversas maneiras.
Terry Eagleton, em seu livro Teoria da Literatura: uma introdução afirma: “Se a teoria literária existe, parece óbvio que haja alguma coisa chamada literatura, sobre o qual se teoriza.” Porem, prosseguindo no texto, e fazendo possíveis definições do tema, encontra para cada uma delas problemas e falhas em suas enunciações. Uma possível distinção inicial entre o literário e o não literário poderia estar na discriminação entre o fato e a ficção. Porém, podemos encontrar textos medievais e novelas de cavalaria onde algumas são ficções e outras revelam tentativas de relatar episódios reais reais. Esta distinção pode acontecer até no livro mais publicado e polêmico de todos os tempos: O Evangelho, ou A Bíblia que para alguns, transformar água em vinho, ressuscitar e uma mãe ter um filho sem manter relações sexuais são fatos reais, para outros, pura ficção. (Ainda bem que Gabriel Garcia Marques não nasceu há dois mil anos em Jerusalém e se tornou apóstolo, a neurose místico-evangélica-cristã seria surreal). Assim como a distinção entre o fato real e a ficção imaginativa atormentam as bases da religião, ela também se confronta na ciência. Poucos escritores literariamente consagrados conseguiram ser tão criativos e imaginativos com Einstein em sua teoria da relatividade geral e restrita: velocidade da luz não depender de referencial, espaço contrair, tempo dilatar e massa se relacionar com energia são tão fantásticos que a própria comunidade científica da época não entendeu com realidade.
Sobre os formalistas russo do início do século XX, Terry Eagleton também comenta sobre as valorizações das formas do texto, de seu estilo. Críticos militantes, engajados e políticos, opõem-se ao misticismo simbolista da crítica literária até o momento, propondo um caráter científico à análise do texto. Procura-se a verificação das estruturas da linguagem aplicando os conceitos lingüísticos em oposição ao conteúdo da mensagem. A obra literária é constituída de artifícios, figuras de linguagem que englobam som, imagem, ritmo, rima, métrica, técnicas e narrativas que provocam uma surpresa e um estranhamento no leitor, diferenciando o texto literário do texto comum. Nos desenvolvimento das narrativas os formalistas valorizavam os desvios, como os entraves e retardamentos provocando uma violência lingüística com diferencias, com originalidade. Mais uma vez, a tentativa de definição de literatura encontra limites não definidos; uma frase, pela definição dos formalistas pode ou não ser reconhecida como literária dependendo da aplicação de seu contexto. Podemos encontrar frases simples em grandes obras literárias e até excelentes poemas que contem frases simples e coloquiais mas que formam idéias geniais e de grande valor. Para esta visão os poemas: Poema tirado de uma notícia de jornal ou Pneumotórax de Manuel Bandeira ou até mesmo o Erro de português de Oswald de Andrade não teriam valores formais e literariedade suficientes para serem considerados arte.
Pode-se então pensar que qualquer forma de expressão é literatura, mas aí esbarra-se em discussões como saber se um texto histórico, um texto filosófico, uma tese científica ou até uma bula de remédio contém caráter literário ou não. Mais uma vez encontramos possíveis interpretações dos valores. O valor é subjetivo. Assim como a palavra comida pode se referir a tudo com que uma pessoa pode se alimentar, cada um vai ter seu gosto pessoal por alimentos que mais o satisfazem. Na literatura também temos isto, a literatura contem um conjunto gigantesco de obras que não há alguém que possa ter acesso a todas para definir o que pertence ao seu cânone ou não. Assim também não há duas pessoas que leram exatamente as mesmas obras. A literatura pode ser um DNA da alma, assim como cada corpo físico tem o seu DNA único, aleatório e individual, a literatura de cada um é também pessoal e única, criando dificuldades na elaboração de uma única resposta para a seguinte pergunta: O que é Literatura?
Clássicos: Ler, Reler e Ter.
Existem alguns livros que têm um significado muito grande para povos de certa cultura, alguns livros que possuem um significado maior ainda para um indivíduo. Costumamos chamá-los de clássicos (sem necessariamente associá-los à época ou escola literária do classicismo). Esta palavra: clássico, que hoje em dia pode até ser usada para partida de futebol entre Flamengo e Fluminense no Maracanã, uma banda de rock dos anos setenta que perdura até hoje ou um filme antigo de grande bilheteria, tem na literatura um significado muito amplo e até discutível que no mínimo significa: de respeito.
O italiano Italo Calvino em sua obra: Por que ler os clássicos, começa brincado com a seguinte definição: Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: “Estou relendo...” e nunca “Estou lendo...”. Esta afirmação de efeito específico para pessoas de mais idade que se consideram cultas, não tem obviamente muito efeito para os jovens, uma vez que estes costumam ter um contato compulsório com os clássicos no período escolar, podendo até criar um princípio de antipatia com a obra, principalmente por falta de bagagem para o entendimento do texto e de suas emoções. No que um garoto de dezesseis anos poderia se identificar com uma mulher formada adulta e adultera como Ema em Madame Bovary de Gustave Flaubert? Talvez seja mais fácil estes jovens se identificarem com alguns clássicos infanto-juvenis e então entenderem algumas da muitas intertextualidades de um filme com Shrek, um quase Dom Quixote atual da cinematografia infantil. Agora, da definição inicial de Italo Calvino, para os mais maduros e letrados o prefixo re em reler tem muito da vergonha de admitir que nunca leu uma obra considerada um clássico e de estar atrasado com sua formação cultural. O ego do conhecimento vezes ultrapassa o ego da beleza pessoal. Mas não há motivo para a preocupação, levante a mão quem já leu todos os romances de José de Alencar, de José Saramago ou de Jorge Amado? Ficou faltando algum conto de Machado de Assis ou de Guimarães Rosa para ser lido? Para seu deleite, sempre sobrará alguma obra importante para apreciação. Então Italo Calvino conclui: “Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.”.
Uma vez que a lista de clássicos pode se tornar interminável, vale a pena se ter o contato com alguns na juventude e outros em uma fase mais adulta. Privilegiados aqueles que têm fraqueza na memória e podem ler Dom Casmurro duas vezes quase com se fossem duas primeiras vezes: numa primeira, na adolescência, curtindo as brincadeiras infantis atrás do murro no quintal dos Páduas e o delicioso pentear de cabelos em Capitu por Bentinho, e, numa segunda vez mais maduro, recurtir a loucura do ciúme de Bentinho e das descrições de um texto fascinante de Machado de Assis. Assim como a releitura de um clássico e uma leitura de descobertas como da primeira vez. A primeira leitura, para quem tem relativa bagagem cultural, não é de toda crua, dado que muitas passagens dos clássicos estão embutidas nas convenções sociais. Dificilmente alguém vai ler Os Lusíadas sem saber que Vasco da Gama chega às índias ou ler Édipo Rei sem ter ouvido uma vez se falar de complexo de Édipo. Assim ainda Italo Calvino diz: “Os Clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precedem a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram.”.
Outro fator que os clássicos trazem em si é uma quantidade gigantesca de obras sobre o clássico. Livros que falam sobre livros e que interferem, de modo positivo ou até mais negativo, na posterior leitura. Estas obras atraem, até por força da necessidade de produção acadêmica para dissertações e teses, repetindo ou inventando barbúrias sobre o texto. A leitura virgem do texto contém um prazer de descoberta muito maior do que a orientada (ou desorientada). Não vamos retirar o prazer da perda do hímen literário daqueles que ainda o podem ter. Mário Quintana, autor de pensamentos como: “Uma definição apenas define os definidores.” ridiculariza esta academização dos textos sobre os textos com duas anedotas deliciosas:
“Essa mania de ler sobre autores fez com que, no último centenário de Shakespeare, se travasse entre uma professorinha do interior e este escriba o seguinte diálogo:
- Que devo ler para conhecer Shakespeare?
- Shakespeare.”
ou então:
“- Você ainda não leu O Significado do Significado? Não?Assim você nunca fica em dia.
- Mas eu estou só esperando que apareça O Significado do Significado do Significado.”
Estas idéias remetem a uma frase do amigo e poeta Julio Paulo Marcondes: “Quem sabe faz, quem não sabe ensina!”, sobre críticos das críticas ou ainda, do mesmo autor: “Escritores, cineastas e artistas em geral são críticos frustrados!”. Noel Rosa não fica atrás (nem na frente): “Samba não se aprende no colégio.” Assim Italo Calvino também diz: “Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente a repele para longe”.
Outro fator importante do clássico é a pessoalidade, a relação que este tem com o leitor e a interferência que nele causa. O cânone pessoal. Se pedires para várias pessoas para indicar os dez livros mais importantes para a humanidade, dificilmente ter-se-á uma intersecção completa. Assim como nos anos oitenta chegava-se a residência de uma pessoa e falava-se: “Posso ver sua coleção de discos (hoje vinis)”, a biblioteca de cada um é uma eleição de seus clássicos. Uma professora de literatura da UFSC constantemente comenta: “Esse é que nem bíblia de hotel, tem que ter na gaveta”. O mesmo Júlio Paulo Marcondes citado acima chega um dia feliz da vida e barda: “Conheci a Biblioteca do José Mindilim”. Então recebe como resposta: “Conheceu o José Mindilim ou sua biblioteca?” E sabiamente completa: “A melhor maneira de conhecer uma pessoa é conhecendo sua biblioteca, logo, os dois.” Será que ele já leu toda sua biblioteca? O sonho de todo grande homem é um dia poder ler toda sua biblioteca.
Existem alguns livros que têm um significado muito grande para povos de certa cultura, alguns livros que possuem um significado maior ainda para um indivíduo. Costumamos chamá-los de clássicos (sem necessariamente associá-los à época ou escola literária do classicismo). Esta palavra: clássico, que hoje em dia pode até ser usada para partida de futebol entre Flamengo e Fluminense no Maracanã, uma banda de rock dos anos setenta que perdura até hoje ou um filme antigo de grande bilheteria, tem na literatura um significado muito amplo e até discutível que no mínimo significa: de respeito.
O italiano Italo Calvino em sua obra: Por que ler os clássicos, começa brincado com a seguinte definição: Os clássicos são aqueles livros dos quais, em geral, se ouve dizer: “Estou relendo...” e nunca “Estou lendo...”. Esta afirmação de efeito específico para pessoas de mais idade que se consideram cultas, não tem obviamente muito efeito para os jovens, uma vez que estes costumam ter um contato compulsório com os clássicos no período escolar, podendo até criar um princípio de antipatia com a obra, principalmente por falta de bagagem para o entendimento do texto e de suas emoções. No que um garoto de dezesseis anos poderia se identificar com uma mulher formada adulta e adultera como Ema em Madame Bovary de Gustave Flaubert? Talvez seja mais fácil estes jovens se identificarem com alguns clássicos infanto-juvenis e então entenderem algumas da muitas intertextualidades de um filme com Shrek, um quase Dom Quixote atual da cinematografia infantil. Agora, da definição inicial de Italo Calvino, para os mais maduros e letrados o prefixo re em reler tem muito da vergonha de admitir que nunca leu uma obra considerada um clássico e de estar atrasado com sua formação cultural. O ego do conhecimento vezes ultrapassa o ego da beleza pessoal. Mas não há motivo para a preocupação, levante a mão quem já leu todos os romances de José de Alencar, de José Saramago ou de Jorge Amado? Ficou faltando algum conto de Machado de Assis ou de Guimarães Rosa para ser lido? Para seu deleite, sempre sobrará alguma obra importante para apreciação. Então Italo Calvino conclui: “Dizem-se clássicos aqueles livros que constituem uma riqueza para quem os tenha lido e amado; mas constituem uma riqueza não menor para quem se reserva a sorte de lê-los pela primeira vez nas melhores condições para apreciá-los.”.
Uma vez que a lista de clássicos pode se tornar interminável, vale a pena se ter o contato com alguns na juventude e outros em uma fase mais adulta. Privilegiados aqueles que têm fraqueza na memória e podem ler Dom Casmurro duas vezes quase com se fossem duas primeiras vezes: numa primeira, na adolescência, curtindo as brincadeiras infantis atrás do murro no quintal dos Páduas e o delicioso pentear de cabelos em Capitu por Bentinho, e, numa segunda vez mais maduro, recurtir a loucura do ciúme de Bentinho e das descrições de um texto fascinante de Machado de Assis. Assim como a releitura de um clássico e uma leitura de descobertas como da primeira vez. A primeira leitura, para quem tem relativa bagagem cultural, não é de toda crua, dado que muitas passagens dos clássicos estão embutidas nas convenções sociais. Dificilmente alguém vai ler Os Lusíadas sem saber que Vasco da Gama chega às índias ou ler Édipo Rei sem ter ouvido uma vez se falar de complexo de Édipo. Assim ainda Italo Calvino diz: “Os Clássicos são aqueles livros que chegam até nós trazendo consigo as marcas das leituras que precedem a nossa e atrás de si os traços que deixaram na cultura ou nas culturas que atravessaram.”.
Outro fator que os clássicos trazem em si é uma quantidade gigantesca de obras sobre o clássico. Livros que falam sobre livros e que interferem, de modo positivo ou até mais negativo, na posterior leitura. Estas obras atraem, até por força da necessidade de produção acadêmica para dissertações e teses, repetindo ou inventando barbúrias sobre o texto. A leitura virgem do texto contém um prazer de descoberta muito maior do que a orientada (ou desorientada). Não vamos retirar o prazer da perda do hímen literário daqueles que ainda o podem ter. Mário Quintana, autor de pensamentos como: “Uma definição apenas define os definidores.” ridiculariza esta academização dos textos sobre os textos com duas anedotas deliciosas:
“Essa mania de ler sobre autores fez com que, no último centenário de Shakespeare, se travasse entre uma professorinha do interior e este escriba o seguinte diálogo:
- Que devo ler para conhecer Shakespeare?
- Shakespeare.”
ou então:
“- Você ainda não leu O Significado do Significado? Não?Assim você nunca fica em dia.
- Mas eu estou só esperando que apareça O Significado do Significado do Significado.”
Estas idéias remetem a uma frase do amigo e poeta Julio Paulo Marcondes: “Quem sabe faz, quem não sabe ensina!”, sobre críticos das críticas ou ainda, do mesmo autor: “Escritores, cineastas e artistas em geral são críticos frustrados!”. Noel Rosa não fica atrás (nem na frente): “Samba não se aprende no colégio.” Assim Italo Calvino também diz: “Um clássico é uma obra que provoca incessantemente uma nuvem de discursos críticos sobre si, mas continuamente a repele para longe”.
Outro fator importante do clássico é a pessoalidade, a relação que este tem com o leitor e a interferência que nele causa. O cânone pessoal. Se pedires para várias pessoas para indicar os dez livros mais importantes para a humanidade, dificilmente ter-se-á uma intersecção completa. Assim como nos anos oitenta chegava-se a residência de uma pessoa e falava-se: “Posso ver sua coleção de discos (hoje vinis)”, a biblioteca de cada um é uma eleição de seus clássicos. Uma professora de literatura da UFSC constantemente comenta: “Esse é que nem bíblia de hotel, tem que ter na gaveta”. O mesmo Júlio Paulo Marcondes citado acima chega um dia feliz da vida e barda: “Conheci a Biblioteca do José Mindilim”. Então recebe como resposta: “Conheceu o José Mindilim ou sua biblioteca?” E sabiamente completa: “A melhor maneira de conhecer uma pessoa é conhecendo sua biblioteca, logo, os dois.” Será que ele já leu toda sua biblioteca? O sonho de todo grande homem é um dia poder ler toda sua biblioteca.
Mário Prata, um mineiro paulista virando mané.

Os Viúvos
Autor: Mario Prata
Formato: 16x23 cm
Brochura
Nº de páginas: 288
Preço: R$ 39,90
Mário Prata já é um dos maiores escritores brasileiros por sua qualidade e quantidade de trabalho em diversas áreas que a função permite praticar: jornalismo, romances, crônicas, resenhas, teatro e televisão. Algumas de suas obras mais populares são as telenovelas: Estúpido Cupido, novela clássica de 1976 sobre a época dos anos dourados no Brasil; Que rei sou eu?, uma das mais geniais criações da televisão brasileira fazendo uma metáfora medieval da política do Brasil da abertura e, de 2005, a recente e não consagrada pela audiência Bang Bang onde se percebe um distanciamento entre a criatividade do autor e a mediocridade dos telespectadores da última década. O Casamento de Romeu e Julieta, trazendo a velha história da rivalidade de famílias para uma disputa paulistana de corintianos e palmeirenses é uma de suas obras mais conhecidas para o cinema. Na literatura, destacam-se Schifaizfavoire, Purgatório e James Lins, um playboy que não deu certo. Esta última rotula bem o adjetivo paulista a Mario Prata, contando sua infância em Lins e episódios na capital paulista.
Os últimos dois livros do autor, Sete de Paus e Os Viúvos, são romances policiais escritos e passados em Floripa onde o autor optou morar desde 2000. Florianópolis é a capital institucional do Estado de Santa Catarina, que a maioria dos brasileiros conhece primeiro na escola, posteriormente visita em turismo e, depois, sonha morar um dia. Floripa é a cidade das pessoas comuns que nela vivem, trabalham, caminham nas suas ruas, praias, trilhas, logradouros e, ali, tem suas famílias e amigos do dia a dia. É nesta Floripa simples e simpática, que empresta o nome de várias de suas praias, bairros e ruas aos nomes dos capítulos, que se passa a história de Os Viúvos.
Há uma discussão ou masturbação mental, desnecessária e principalmente acadêmica, em definir o que é literatura catarinense; Cruz e Souza, nascido no desterro, viveu e produziu sua obra literária no Rio de Janeiro com poucas referências ou influências setentrionais e é tido como ícone da literatura catarinense. O que dizer de Mário Prata que nasceu e viveu a maior parte da vida em outros Estados, mas agora mora, escreve e descreve uma Floripa atual, real e fantástica com detalhes que são cada vez mais percebidos pelos leitores quanto maior seu contato, vivência ou conhecimento da Ilha da Magia? O detetive Ugo Fioravanti Neto já faz parte do cânone cultural de Floripa, e Mário Prata já pode se candidatar ao troféu Manezinho da Ilha e herdar o adjetivo catarinense a suas qualidades; talvez já esteja trocando o vermelho do Linense pelo azul do Avaí.
Com característica semiótica de transpassar pelos gêneros do teatro, cinema, televisão, jornal, entre outros, Mario Prata brinca muito bem com uma narrativa original e criativa, onde dois narradores dividem os capítulos, ora narrados pelo narrador oficial, o detetive Fioravanti, ora via email por E. R. N., seu opositor na divertida perseguição de gato e rato que decorre ao longo do livro que pode ser classificado como um romance policial, um almanaque de Floripa, uma denúncia e vingança pessoal às instituições monetárias e fiscais ou um roteiro de filme. O próprio Mário Prata o define como seu segundo policial de cinco que pretende escrever com o detetive Fioravanti como protagonista. Esta técnica de múltiplos narradores e originalidade na transmissão da história já havia sido muito bem utilizada em James Lins, um romance policial às avessas que já premedita esta tendência de mistura entre policial e humor, que torna o policial mais leve e o humor mais irônico e crítico. O livro já difere dos tradicionais policias, muito estudados e citados pelo autor na própria obra, pois nas primeiras linhas antecipa quem é o assassino e o assassinado, sem tirar a apreensão do leitor durante a leitura, modelo inspirado no livro Um assassino entre nós da inglesa Ruth Rendell. A descrição das personagens nas notas de rodapé são originais e deliciosas, tornando a compreensão do texto mais fluente. A dedicatória dispensa comentários: Para Digma, modelo.
A história tem dois paralelos: o sequestro e assassinato do contador por E.R.N. e a busca da proprietária de um lindo cu a pedido de um príncipe de Dubai. O príncipe chega ao escritório de Fioravanti, dizendo ter passado o último verão em Florianópolis e se apaixonado por uma garota de programa, a qual pretende se casar e levar para a Arábia; entrega duzentos mil dinares das Ilhas Bahrain e mais duzentos mil se o detetive e policial federal aposentado descobrir onde está a menina. Acontece que a única pista é uma fotografia, detalhe: do cu da moça. Esta foto em posse de seu fiel auxiliar Darwin Matarazzo causará muitos problemas ao seu casamento com a obesa Fabiana. Inclusive vale citar que Darwin, como em Sete de Paus, é o autor da orelha do livro, outro item não comum da obra: ter personagem como orelhista. Este resenhista, em respeito a Mario Prata e a sua obra, não pede desculpas pelo uso da palavra cu neste texto, até porque, no livro, o cu é uma das coisas mais limpas e leves da história. O capítulo da visita de Tinha, namorada de 21 anos de idade de Fioravanti, ao proctologista para análise da foto e consequentemente do cu da procurada, é surreal: divertidíssimo e interessantíssimo. A sujeira mesmo é institucional e está na outra trama do romance. Se o leitor se assustou com o uso da palavra cu, o livro não é para ti. O cu é limpo. O cu é lindo.
A outra aventura de Fioravanti inspira-se em uma experiência pessoal de Mario Prata com um contador estelionatário, com uma Receita Federal ilógica e com uma burocracia sistematizada ao extremo. A relação entre E.R.N. e Fiori se dá por email e pela literatura policial a qual ambos são admiradores. Fiori tenta também desvendar dois sequestros de duas bancárias que podem ou não ter relação com os emails de E.R.N., alem de administrar seu triângulo amoroso com sua antiga namorada e a filha desta e também reconciliar seu auxiliar Darvin que brigou com sua mulher por causa do já citado cu. O autor coloca seus desejos pessoais de vingança e nojo no sequestrador e assasino E.R.N. e critica com maestria e ironia instituições como o sistema bancário e o sistema de arrecadação de impostos nacionais. Muitos leitores, assim como Fiori, irão se identificar com o pensamento e as atitudes de E.R.N. e encontrarão um final também surpreedente.
Ganha a literatura brasileira com o livro, ganha o leitor, ganha a cidade de Florianópolis e perde a Receita Federal do Brasil, seu ministro, seus funcionários, juízes federais, contadores, oficiais de justiça, advogados, banqueiros e bancários que são execrados e humilhados por Mário Prata ao longo de livro e principalmente no prólogo onde declara a eles “Com máximo respeito e máxima gratidão, senhores, senhoras e senhoritas, quero que vos fodais!!!” A obra certamente durará mais que o parcelamento da dívida do autor com a receita federal .
MAzinho Sol, escritor, jornalista, crítico, compositor, músico, produtor artístico ou qualquer outra destas coisas que você pode se designar sem comprovação documental acadêmica.
Os Viúvos
Autor: Mario Prata
Formato: 16x23 cm
Brochura
Nº de páginas: 288
Preço: R$ 39,90
Mário Prata já é um dos maiores escritores brasileiros por sua qualidade e quantidade de trabalho em diversas áreas que a função permite praticar: jornalismo, romances, crônicas, resenhas, teatro e televisão. Algumas de suas obras mais populares são as telenovelas: Estúpido Cupido, novela clássica de 1976 sobre a época dos anos dourados no Brasil; Que rei sou eu?, uma das mais geniais criações da televisão brasileira fazendo uma metáfora medieval da política do Brasil da abertura e, de 2005, a recente e não consagrada pela audiência Bang Bang onde se percebe um distanciamento entre a criatividade do autor e a mediocridade dos telespectadores da última década. O Casamento de Romeu e Julieta, trazendo a velha história da rivalidade de famílias para uma disputa paulistana de corintianos e palmeirenses é uma de suas obras mais conhecidas para o cinema. Na literatura, destacam-se Schifaizfavoire, Purgatório e James Lins, um playboy que não deu certo. Esta última rotula bem o adjetivo paulista a Mario Prata, contando sua infância em Lins e episódios na capital paulista.
Os últimos dois livros do autor, Sete de Paus e Os Viúvos, são romances policiais escritos e passados em Floripa onde o autor optou morar desde 2000. Florianópolis é a capital institucional do Estado de Santa Catarina, que a maioria dos brasileiros conhece primeiro na escola, posteriormente visita em turismo e, depois, sonha morar um dia. Floripa é a cidade das pessoas comuns que nela vivem, trabalham, caminham nas suas ruas, praias, trilhas, logradouros e, ali, tem suas famílias e amigos do dia a dia. É nesta Floripa simples e simpática, que empresta o nome de várias de suas praias, bairros e ruas aos nomes dos capítulos, que se passa a história de Os Viúvos.
Há uma discussão ou masturbação mental, desnecessária e principalmente acadêmica, em definir o que é literatura catarinense; Cruz e Souza, nascido no desterro, viveu e produziu sua obra literária no Rio de Janeiro com poucas referências ou influências setentrionais e é tido como ícone da literatura catarinense. O que dizer de Mário Prata que nasceu e viveu a maior parte da vida em outros Estados, mas agora mora, escreve e descreve uma Floripa atual, real e fantástica com detalhes que são cada vez mais percebidos pelos leitores quanto maior seu contato, vivência ou conhecimento da Ilha da Magia? O detetive Ugo Fioravanti Neto já faz parte do cânone cultural de Floripa, e Mário Prata já pode se candidatar ao troféu Manezinho da Ilha e herdar o adjetivo catarinense a suas qualidades; talvez já esteja trocando o vermelho do Linense pelo azul do Avaí.
Com característica semiótica de transpassar pelos gêneros do teatro, cinema, televisão, jornal, entre outros, Mario Prata brinca muito bem com uma narrativa original e criativa, onde dois narradores dividem os capítulos, ora narrados pelo narrador oficial, o detetive Fioravanti, ora via email por E. R. N., seu opositor na divertida perseguição de gato e rato que decorre ao longo do livro que pode ser classificado como um romance policial, um almanaque de Floripa, uma denúncia e vingança pessoal às instituições monetárias e fiscais ou um roteiro de filme. O próprio Mário Prata o define como seu segundo policial de cinco que pretende escrever com o detetive Fioravanti como protagonista. Esta técnica de múltiplos narradores e originalidade na transmissão da história já havia sido muito bem utilizada em James Lins, um romance policial às avessas que já premedita esta tendência de mistura entre policial e humor, que torna o policial mais leve e o humor mais irônico e crítico. O livro já difere dos tradicionais policias, muito estudados e citados pelo autor na própria obra, pois nas primeiras linhas antecipa quem é o assassino e o assassinado, sem tirar a apreensão do leitor durante a leitura, modelo inspirado no livro Um assassino entre nós da inglesa Ruth Rendell. A descrição das personagens nas notas de rodapé são originais e deliciosas, tornando a compreensão do texto mais fluente. A dedicatória dispensa comentários: Para Digma, modelo.
A história tem dois paralelos: o sequestro e assassinato do contador por E.R.N. e a busca da proprietária de um lindo cu a pedido de um príncipe de Dubai. O príncipe chega ao escritório de Fioravanti, dizendo ter passado o último verão em Florianópolis e se apaixonado por uma garota de programa, a qual pretende se casar e levar para a Arábia; entrega duzentos mil dinares das Ilhas Bahrain e mais duzentos mil se o detetive e policial federal aposentado descobrir onde está a menina. Acontece que a única pista é uma fotografia, detalhe: do cu da moça. Esta foto em posse de seu fiel auxiliar Darwin Matarazzo causará muitos problemas ao seu casamento com a obesa Fabiana. Inclusive vale citar que Darwin, como em Sete de Paus, é o autor da orelha do livro, outro item não comum da obra: ter personagem como orelhista. Este resenhista, em respeito a Mario Prata e a sua obra, não pede desculpas pelo uso da palavra cu neste texto, até porque, no livro, o cu é uma das coisas mais limpas e leves da história. O capítulo da visita de Tinha, namorada de 21 anos de idade de Fioravanti, ao proctologista para análise da foto e consequentemente do cu da procurada, é surreal: divertidíssimo e interessantíssimo. A sujeira mesmo é institucional e está na outra trama do romance. Se o leitor se assustou com o uso da palavra cu, o livro não é para ti. O cu é limpo. O cu é lindo.
A outra aventura de Fioravanti inspira-se em uma experiência pessoal de Mario Prata com um contador estelionatário, com uma Receita Federal ilógica e com uma burocracia sistematizada ao extremo. A relação entre E.R.N. e Fiori se dá por email e pela literatura policial a qual ambos são admiradores. Fiori tenta também desvendar dois sequestros de duas bancárias que podem ou não ter relação com os emails de E.R.N., alem de administrar seu triângulo amoroso com sua antiga namorada e a filha desta e também reconciliar seu auxiliar Darvin que brigou com sua mulher por causa do já citado cu. O autor coloca seus desejos pessoais de vingança e nojo no sequestrador e assasino E.R.N. e critica com maestria e ironia instituições como o sistema bancário e o sistema de arrecadação de impostos nacionais. Muitos leitores, assim como Fiori, irão se identificar com o pensamento e as atitudes de E.R.N. e encontrarão um final também surpreedente.
Ganha a literatura brasileira com o livro, ganha o leitor, ganha a cidade de Florianópolis e perde a Receita Federal do Brasil, seu ministro, seus funcionários, juízes federais, contadores, oficiais de justiça, advogados, banqueiros e bancários que são execrados e humilhados por Mário Prata ao longo de livro e principalmente no prólogo onde declara a eles “Com máximo respeito e máxima gratidão, senhores, senhoras e senhoritas, quero que vos fodais!!!” A obra certamente durará mais que o parcelamento da dívida do autor com a receita federal .
MAzinho Sol, escritor, jornalista, crítico, compositor, músico, produtor artístico ou qualquer outra destas coisas que você pode se designar sem comprovação documental acadêmica.
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Quem é Gregório de Matos Guerra
Quem é Gregório de Matos? Não é, são. Existem vários Gregórios de Matos. O primeiro é a pessoa física, nascida na Bahia em 1623 (ou 33, ou 36) provavelmente no dia 7 de abril, terceiro filho de um próspero fazendeiro, que estudou direto em Coimbra, retornando posteriormente a Bahia, morando no recôncavo, sendo exilado em Angola e voltando ao Brasil para viver no Recife. Morreu em 1696. Sua existência é evidente, a autoria de seus poemas contestável, a qualidade de sua obra discutível e a variedade de opiniões sobre o poeta fascinante. Sua vida e as diversas leituras de sua obra talvez sejam mais barrocas do que a própria poesia. Escritores, sociólogos e críticos literários discutem e rediscutem Gregório, criando e recriando vários vieses de Gregórios. Redescobrir Gregório é redescobrir e redefinir o Barroco; um caminho sem volta. Talvez o fato de não ter editado sua obra em vida, da escassa documentação histórica de sues paradeiros alimentem esta pluralidade. Neste texto encontramos alguns Gregórios fantasiados na imaginação e percepção de alguns dos maiores nomes da Crítica Literária Brasileira.
No final do século XIX, um dos mais empolgados críticos de Gregório de Matos foi Silvio Romero em sua História da Literatura Brasileira. Romero diz que “se a alguém no Brasil se pudesse conferir o título de fundador de nossa literatura, esse deveria ser Gregório de Matos Guerra. Foi filho do país; teve mais talento poético que Anchieta; foi mais do povo; foi mais desabusado; mais mundano, produziu mais e num sentido mais nacional.” Sendo um escritor mais social e menos academicamente literário, Romero lê um Gregório imerso no seu mundo, com uma poesia social compatível com a urbis soteropolitana. Não vê muita diferença entre a poesia e a vida do autor e enxerga uma harmonia entre indivíduo, meio e obra. Não menosprezando sua poesia lírica, Romero admira mais a poesia satírica do Baiano e enaltece o refino de sua crítica social aos diversos nichos da sociedade e diverte-se com suas tiradas advocatícias relatando fatos particulares e interessantes desta personalidade.
Antônio Cândido, eterna referência em qualquer tratado de literatura brasileira, não prioriza a obra de Gregório em sua Formação da Literatura Brasileira. Começa sua obra no Arcadismo uma vez que este possui mais registros históricos e em concordância com sua tese de causa-efeito, de continuidade, de sequência de influências e de caminhos diacrônicos para o progresso da nossa literatura, opinião esta que vai causar críticas e cobranças por Haroldo de Campos no seu Sequestro do Barroco.
Haroldo de Campos analisa a obra de Gregório após ter um aprofundamento intenso na poesia e contato com outras críticas como a de Jõao Adolfo Hansen e Alfredo Bosi. Talvez por ser poeta, Haroldo de Campos valoriza a poesia em si, sua qualidade artística, independente do meio e do tempo em que se encontra. A idéia da poesia anacrônica proposta por Haroldo de Campos vê que a poesia de Gregório pode ser lida e relida, podendo tornar-se sempre atual como a poesia Epílogos e a Triste Bahia rejuvenescida por Caetano Veloso. Haroldo, nitidamente um admirador da poesia de Gregório, enxerga qualidades nesta poesia dentro e fora de seu tempo.
Alfredo Bosi, menos compenetrado na veracidade e oficialidade da poesia de Gregório que João Adolfo Hansen, analisa a obra de Gregório, principalmente A Bahia ( ou Triste Bahia) no capítulo Do Antigo Estado a Máquina Mercante de seu livro Dialética da Colonização. Esta analise, mais da obra que do autor, é minuciosa e rica em detalhes. Alfredo Bosi “imagina” uma série de fatos e ocorrências muito interessantes na poesia de Gregório que “podem” ser verdade. As palavras “imagina” e “podem” da frase anterior mostra que existe muita verossimilhança na sua análise, mas seria precipitado dizer que era exatamente aquilo que o autor queria dizer. Alfredo Bosi, nesta sua liberdade para analisar, exercita como poucos esta criação e recriação de um novo Gregório, tema central deste texto.
O professor Dácio Antônio de Castro escreve que “a poesia de Gregório surpreende até hoje pela vitalidade criativa e pela variedade temática, tanto mais significativas por ter sido ele o primeiro talento literário que se manifestou na cultura brasileira.” Dácio classifica sua poesia em quatro grupos: satírica, lírico-amorosa, religiosa e erótica e justifica esta pluralidade do autor em sua miscigenação e formação uma vez que Gregório é filho de um português com uma Brasileira, conheceu mundos diferentes como o colônia e a metrópole e teve contato com diversas culturas quando em Coimbra, conhecendo a obra de Camões, Quevedo e Gongora, entre outros.
No estudo introdutório da antologia Poemas Escolhidos – Gregório de Matos, José Miguel Wisnik é técnico em informações e comedido em opiniões. Primeiramente apresenta uma biografia informativa do autor e posteriormente um estudo crítico da obra. Neste estudo crítico, assemelhado ao de seu colega de USP Alfredo Bosi, analisa bem poemas e partes deles, apresentando o tema mas também intensamente a forma do poema, como métricas e rimas. Não polemizando muito, Wisnik parece convidar o leitor para sua própria viagem, para a criação de seu Gregório.
Transcreve-se agora o texto De como o poeta ameaçou os militares de 64 de James Amado Para a Folha de São Paulo Mais de domingo, 20 de outubro de 1996, que não é uma crítica literária de Gregório de Matos mas curioso, é certamente mais um de seus renascimentos: "É impossível riscar da memória aquela manhã do verão de 1969. O telefone me traz a voz do governador de Estado, o acadêmico Luís Viana filho, em uma convocação imperiosa: ‘Preciso falar com você agora. Meu motorista vai apanhá-lo. Por favor, é urgente’. Recebeu-me no gabinete do palácio residencial. Homem de trato cortês e lhano, mas político habituado a não revelar suas emoções, naquele dia Luís Viana Filho estava visivelmente agitado. Estendeu-me uma folha de papel com o timbre das Forças armadas e um ostensivo carimbo: ‘confidencial’. E se pôs a andar um passo brusco, de um lado a outro, entre a mesa de despachos e a poltrona por mim ocupada, enquanto eu lia o documento surpreendente. Nele, o general comandante da região militar interpelava rispidamente o governador e exigia dele que lhe apresentasse, ‘por escrito e no prazo de 24 horas, as razões que o tinham levado a apoiar uma edição tão subversiva como a das obras de Gregório de Matos’. O chefe militar da região provocava cruamente o governador, ao fingir desconhecer que este, embora civil e escritor, havia sido nomeado para o cargo pelo marechal-presidente da República militar e tivera seu nome sancionado pela dócil Assembléia Legislativa. ‘É agora?’, perguntei-lhe. ‘Não vou responder, é claro’. ‘Tome nota do que eu digo: na próxima semana, um general meu amigo assumirá o comando militar no Planalto. Passarei de caça a caçador’. Guardei suas palavras e o teor do ofício confidencial. O que Luís Viana Filho prenunciara aconteceu sem demora. Passou de caça a caçador. Antes, um troço de soldados armados invadiu o departamento de cultura, seqüestrou e incinerou as coleções da obra de Gregório de Matos. O diretor do órgão foi preso. Duzentos e sessenta e cinco anos após sua morte no Recife, Gregório de Matos retornava à Bahia. E bem à sua maneira, perturbando a paz dos poderosos. Veio para ficar."
Gregório de Matos Guerra é o melhor nome da literatura brasileira para criar controvérsias. Gregório é um heterônimo homônimo tão paradoxal quanto esta definição. Talvez ele seja uma boa definição de mito; ou uma boa definição de Barroco. Se fantasiar é uma das premissas da literatura, criar seu próprio Gregório de Matos é fazer literatura, é imaginar,é divagar.
No final do século XIX, um dos mais empolgados críticos de Gregório de Matos foi Silvio Romero em sua História da Literatura Brasileira. Romero diz que “se a alguém no Brasil se pudesse conferir o título de fundador de nossa literatura, esse deveria ser Gregório de Matos Guerra. Foi filho do país; teve mais talento poético que Anchieta; foi mais do povo; foi mais desabusado; mais mundano, produziu mais e num sentido mais nacional.” Sendo um escritor mais social e menos academicamente literário, Romero lê um Gregório imerso no seu mundo, com uma poesia social compatível com a urbis soteropolitana. Não vê muita diferença entre a poesia e a vida do autor e enxerga uma harmonia entre indivíduo, meio e obra. Não menosprezando sua poesia lírica, Romero admira mais a poesia satírica do Baiano e enaltece o refino de sua crítica social aos diversos nichos da sociedade e diverte-se com suas tiradas advocatícias relatando fatos particulares e interessantes desta personalidade.
Antônio Cândido, eterna referência em qualquer tratado de literatura brasileira, não prioriza a obra de Gregório em sua Formação da Literatura Brasileira. Começa sua obra no Arcadismo uma vez que este possui mais registros históricos e em concordância com sua tese de causa-efeito, de continuidade, de sequência de influências e de caminhos diacrônicos para o progresso da nossa literatura, opinião esta que vai causar críticas e cobranças por Haroldo de Campos no seu Sequestro do Barroco.
Haroldo de Campos analisa a obra de Gregório após ter um aprofundamento intenso na poesia e contato com outras críticas como a de Jõao Adolfo Hansen e Alfredo Bosi. Talvez por ser poeta, Haroldo de Campos valoriza a poesia em si, sua qualidade artística, independente do meio e do tempo em que se encontra. A idéia da poesia anacrônica proposta por Haroldo de Campos vê que a poesia de Gregório pode ser lida e relida, podendo tornar-se sempre atual como a poesia Epílogos e a Triste Bahia rejuvenescida por Caetano Veloso. Haroldo, nitidamente um admirador da poesia de Gregório, enxerga qualidades nesta poesia dentro e fora de seu tempo.
Alfredo Bosi, menos compenetrado na veracidade e oficialidade da poesia de Gregório que João Adolfo Hansen, analisa a obra de Gregório, principalmente A Bahia ( ou Triste Bahia) no capítulo Do Antigo Estado a Máquina Mercante de seu livro Dialética da Colonização. Esta analise, mais da obra que do autor, é minuciosa e rica em detalhes. Alfredo Bosi “imagina” uma série de fatos e ocorrências muito interessantes na poesia de Gregório que “podem” ser verdade. As palavras “imagina” e “podem” da frase anterior mostra que existe muita verossimilhança na sua análise, mas seria precipitado dizer que era exatamente aquilo que o autor queria dizer. Alfredo Bosi, nesta sua liberdade para analisar, exercita como poucos esta criação e recriação de um novo Gregório, tema central deste texto.
O professor Dácio Antônio de Castro escreve que “a poesia de Gregório surpreende até hoje pela vitalidade criativa e pela variedade temática, tanto mais significativas por ter sido ele o primeiro talento literário que se manifestou na cultura brasileira.” Dácio classifica sua poesia em quatro grupos: satírica, lírico-amorosa, religiosa e erótica e justifica esta pluralidade do autor em sua miscigenação e formação uma vez que Gregório é filho de um português com uma Brasileira, conheceu mundos diferentes como o colônia e a metrópole e teve contato com diversas culturas quando em Coimbra, conhecendo a obra de Camões, Quevedo e Gongora, entre outros.
No estudo introdutório da antologia Poemas Escolhidos – Gregório de Matos, José Miguel Wisnik é técnico em informações e comedido em opiniões. Primeiramente apresenta uma biografia informativa do autor e posteriormente um estudo crítico da obra. Neste estudo crítico, assemelhado ao de seu colega de USP Alfredo Bosi, analisa bem poemas e partes deles, apresentando o tema mas também intensamente a forma do poema, como métricas e rimas. Não polemizando muito, Wisnik parece convidar o leitor para sua própria viagem, para a criação de seu Gregório.
Transcreve-se agora o texto De como o poeta ameaçou os militares de 64 de James Amado Para a Folha de São Paulo Mais de domingo, 20 de outubro de 1996, que não é uma crítica literária de Gregório de Matos mas curioso, é certamente mais um de seus renascimentos: "É impossível riscar da memória aquela manhã do verão de 1969. O telefone me traz a voz do governador de Estado, o acadêmico Luís Viana filho, em uma convocação imperiosa: ‘Preciso falar com você agora. Meu motorista vai apanhá-lo. Por favor, é urgente’. Recebeu-me no gabinete do palácio residencial. Homem de trato cortês e lhano, mas político habituado a não revelar suas emoções, naquele dia Luís Viana Filho estava visivelmente agitado. Estendeu-me uma folha de papel com o timbre das Forças armadas e um ostensivo carimbo: ‘confidencial’. E se pôs a andar um passo brusco, de um lado a outro, entre a mesa de despachos e a poltrona por mim ocupada, enquanto eu lia o documento surpreendente. Nele, o general comandante da região militar interpelava rispidamente o governador e exigia dele que lhe apresentasse, ‘por escrito e no prazo de 24 horas, as razões que o tinham levado a apoiar uma edição tão subversiva como a das obras de Gregório de Matos’. O chefe militar da região provocava cruamente o governador, ao fingir desconhecer que este, embora civil e escritor, havia sido nomeado para o cargo pelo marechal-presidente da República militar e tivera seu nome sancionado pela dócil Assembléia Legislativa. ‘É agora?’, perguntei-lhe. ‘Não vou responder, é claro’. ‘Tome nota do que eu digo: na próxima semana, um general meu amigo assumirá o comando militar no Planalto. Passarei de caça a caçador’. Guardei suas palavras e o teor do ofício confidencial. O que Luís Viana Filho prenunciara aconteceu sem demora. Passou de caça a caçador. Antes, um troço de soldados armados invadiu o departamento de cultura, seqüestrou e incinerou as coleções da obra de Gregório de Matos. O diretor do órgão foi preso. Duzentos e sessenta e cinco anos após sua morte no Recife, Gregório de Matos retornava à Bahia. E bem à sua maneira, perturbando a paz dos poderosos. Veio para ficar."
Gregório de Matos Guerra é o melhor nome da literatura brasileira para criar controvérsias. Gregório é um heterônimo homônimo tão paradoxal quanto esta definição. Talvez ele seja uma boa definição de mito; ou uma boa definição de Barroco. Se fantasiar é uma das premissas da literatura, criar seu próprio Gregório de Matos é fazer literatura, é imaginar,é divagar.
O Indianismo de Alencar
O Indianismo de Alencar e a busca pela identidade brasileira.
Certamente José de Alencar não foi o primeiro escritor a apresentar o índio americano tropical como tema de uma obra literária. A Carta de Caminha, elemento matriz dos textos de referência ao Brasil apresenta descrições do elemento indígena. O jesuíta José de Anchieta inclui o índio em sua poesia e como personagem de suas peças teatrais. Na segunda metade do século XVIII, Basílio da Gama escreve O Uraguai (1769) mostrando a epopéia da batalha entre os índios dos Sete Povos das Missões e o exército luso-espanhol comandado pelo general Gomes Freire de Andrade e, também no gênero épico, mas com modelo camoniano, o Frei Santa Rita Durão, nascido no Brasil mas com vida mais intensa na Europa, escreve Caramuru (1781), onde o branco Diogo Álvares Correia, apelidado pelos indígenas de Caramuru, naufraga em costas brasileira e vai conviver com canibais nativos, fazendo referências a fatos que vão do “achamento” do Brasil até o século XVIII. Posteriormente, no início do século XX, Mario de Andrade escreve Macunaíma: o herói sem nenhum caráter (1928) e seu amigo não menos irreverente e polêmico Oswald de Andrade apresenta o Manifesto Antropófago (1928). Nestas obras modernistas, o índio é mais selvagem, canibal, natural e menos figurado nos bons sentimentos morais, católicos e sociais dos brancos portugueses como no índio romântico de Alencar. Mas se Alencar não foi o primeiro nem o único a escrever sobre o índio brasileiro, o que tem de especial em sua obra indianista que merece relevo?
José Martiano de Alencar nasceu no Ceará em 1829. Seu Pai, o senador homônimo do filho José Martiniano de Alencar, ex-padre e com idéias liberais, mudou-se para a corte no Rio de Janeiro quando o filho ainda era menino; foi um dos mentores do golpe do Clube da Maioridade que levou o garoto D. Pedro II ao trono em 1940. Na corte Alencar recebeu educação primária e secundária e mudou-se para São Paulo onde iniciou seu curso de direito. Em São Paulo teve contato com a poesia byronista liderada por Álvares de Azevedo, três anos mais velho que Alencar. Concluiu seu curso de direito em Olinda e voltou ao Rio de Janeiro onde iniciou suas atividades de escritor no Correio Mercantil em 1853. No ano de 1856, Alencar provoca uma grande polêmica ao criticar o institucional épico da fundação do Rio de Janeiro de Gonçalves de Magalhães: Confederação dos Tamoios. A obra de Magalhães, praticamente o poeta oficial da coroa, fora patrocinada pelo próprio imperador D Pedro II e possuía um estilo clássico e formal que não agradou Alencar. Como resposta á obra, Alencar publica, com recursos próprios, O Guarani, que não parecia um épico na sua forma, mas de uma qualidade artística que o tornava a verdadeira epopéia romântica do Segundo Reinado.
No enredo de O Guarani, Peri é o rei de uma nação gentil que deixou sua mãe, seus irmãos e sua terra para seguir sua divindade branca Ceci. Na batalha pelo coração de Ceci, Peri enfrenta o português Álvaro e o italiano Lorerdano. Vence a valentia, a natureza e a perspicácia de Peri. Álvaro vai ter outra relação inter-racial com Isabel, prima mestiça de Ceci. A medida que Peri vai se tornando herói, ele vai embranquecendo sua alma e adquirindo valores nobres, europeus e católicos. Esta ligeira falsidade pouco convincente do índio de Alencar tinha uma verossimilhança que fez com que o povo da época os aceitassem como perfeitos e os adorassem. O Guarani projetou fortemente o escritor José de Alencar e semeou a idéia da formação de um povo brasileiro baseado na miscigenação.
Alencar muito mais maduro e já um escritor consagrado, retoma a relação índio-branco em Iracema (1865). Enquanto em O Guarani o índio se relaciona com a branca, em Iracema ocorre a inversão, com a personagem indígena feminina. Iracema, a virgem dos lábios de mel ou a virgem do sertão, deixa seu povo, os Tabajaras, para seguir seu amor por Martim, o guerreiro branco português. Enquanto Martim é uma metonímia do povo português, do europeu, do civilizado e do mundo branco, Iracema representa a natureza exuberante. Iracema tem a sensibilidade e a fragilidade da natureza, é pura e perfeita. Alencar descreve de maneira poética as qualidades que fundem Iracema e a natureza: “seu lábio é de mel, seu cabelo é como a asa de graúna, seu hálito é doce como a baunilha, seu talhe é de palmeira, seu andar é mais rápido que o da ema selvagem”. Alem disso Iracema é um anagrama da palavra América, tornando o romance uma excelente alegoria do contato entre a Europa e a América e principalmente a devastação da América pela Europa.
Iracema é também chamada pelo próprio autor como Lenda do Ceará. Além de representar muito bem as tribos primitivas cearenses como os tabajaras do sertão e os pitiguaras do litoral, Alencar descreve muito bem a geografia de sua terra natal, citando rios, montanhas, plantas e animais. Martim e Iracema têm um filho, Moacir, o filho da dor, que representa o primeiro cearense: a criação de um povo pela mistura de raças. Gilberto Freyre vai, no início do século seguinte, enaltecer esta miscigenação de raças na formação do povo brasileiro, mas Freyre acrescenta o negro, elemento raro na obra de Alencar. Em 1843, o recém criado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, idéia do Imperador, premiou o ensaio de Karl Friederich Phiipp Von Martius: How the Histoty of Brazil Should be Written, onde o naturalista alemão que o Brasil “nunca deve perde de vista os elementos que lá contribuíram para o desenvolvimento do homem. Esses elementos diversos vêm de três raças (...) a população atual consiste em uma mistura nova, cuja história, portanto, tem uma marca particular.” Este ensaio, que pode ter influenciado Alencar, continua acrescentando que esta mistura faz muito bem aos nativos principalmente pela introdução do sangue branco nas raças americanas. Alencar tem esta visão de que uma jovem população diferente da européia surge no Brasil, porem desprezando as origens africanas, talvez por ter sido deputado eleito com o apoio dos produtores de açúcar do nordeste que tinham na escravidão uma atividade comercial interessante ou pelo negro ainda não ter influenciado tanto os demais povos como posteriormente iria ocorrer na época e análise de Freyre.
Todos estes elementos regionais que encontramos nas obras indianistas de Alencar já o fazem um dos formadores da literatura brasileira, mas há outro elemento muito importante de sua obra que faz com que podemos classificá-la como ficção de fundação: a linguagem. José de Alencar foi um dos principais criadores da língua literária brasileira, no sentido de praticar ousadias estilísticas e até sintáticas próprias de nossa gente e estranhas ao português falado em Portugal. Alencar escreve em uma língua brasileira que contem elementos do Tupi, certas sensorialidades visuais, propriedades onomatopéicas, descrições de paisagens, plantas e frutas brasileiras. Seu texto é classificado em prosa poética por Machado de Assis que escreve no Diário do Rio de Janeiro: "Tal é o livro do Sr. José de Alencar, fruto do estudo e da meditação, escrito com sentimento e consciência… Há de viver este livro, tem em si as forças que resistem ao tempo, e dão plena fiança do futuro… Espera-se dele outros poemas em prosa. Poema lhe chamamos a este, sem curar de saber se é antes uma lenda, se um romance: o futuro chamar-lhe-á obra-prima”. Este romance em prosa de linguagem livre opõe-se às imitações dos clássicos feitas pelos árcades no período literário anterior. É uma linguagem genuinamente brasileira que faz com que Alencar, junto com sua vasta obra, torne-se o primeiro grande escritor brasileiro, fundando uma literatura original e produzindo uma identidade brasileira que influenciou muito escritores posteriores.
Certamente José de Alencar não foi o primeiro escritor a apresentar o índio americano tropical como tema de uma obra literária. A Carta de Caminha, elemento matriz dos textos de referência ao Brasil apresenta descrições do elemento indígena. O jesuíta José de Anchieta inclui o índio em sua poesia e como personagem de suas peças teatrais. Na segunda metade do século XVIII, Basílio da Gama escreve O Uraguai (1769) mostrando a epopéia da batalha entre os índios dos Sete Povos das Missões e o exército luso-espanhol comandado pelo general Gomes Freire de Andrade e, também no gênero épico, mas com modelo camoniano, o Frei Santa Rita Durão, nascido no Brasil mas com vida mais intensa na Europa, escreve Caramuru (1781), onde o branco Diogo Álvares Correia, apelidado pelos indígenas de Caramuru, naufraga em costas brasileira e vai conviver com canibais nativos, fazendo referências a fatos que vão do “achamento” do Brasil até o século XVIII. Posteriormente, no início do século XX, Mario de Andrade escreve Macunaíma: o herói sem nenhum caráter (1928) e seu amigo não menos irreverente e polêmico Oswald de Andrade apresenta o Manifesto Antropófago (1928). Nestas obras modernistas, o índio é mais selvagem, canibal, natural e menos figurado nos bons sentimentos morais, católicos e sociais dos brancos portugueses como no índio romântico de Alencar. Mas se Alencar não foi o primeiro nem o único a escrever sobre o índio brasileiro, o que tem de especial em sua obra indianista que merece relevo?
José Martiano de Alencar nasceu no Ceará em 1829. Seu Pai, o senador homônimo do filho José Martiniano de Alencar, ex-padre e com idéias liberais, mudou-se para a corte no Rio de Janeiro quando o filho ainda era menino; foi um dos mentores do golpe do Clube da Maioridade que levou o garoto D. Pedro II ao trono em 1940. Na corte Alencar recebeu educação primária e secundária e mudou-se para São Paulo onde iniciou seu curso de direito. Em São Paulo teve contato com a poesia byronista liderada por Álvares de Azevedo, três anos mais velho que Alencar. Concluiu seu curso de direito em Olinda e voltou ao Rio de Janeiro onde iniciou suas atividades de escritor no Correio Mercantil em 1853. No ano de 1856, Alencar provoca uma grande polêmica ao criticar o institucional épico da fundação do Rio de Janeiro de Gonçalves de Magalhães: Confederação dos Tamoios. A obra de Magalhães, praticamente o poeta oficial da coroa, fora patrocinada pelo próprio imperador D Pedro II e possuía um estilo clássico e formal que não agradou Alencar. Como resposta á obra, Alencar publica, com recursos próprios, O Guarani, que não parecia um épico na sua forma, mas de uma qualidade artística que o tornava a verdadeira epopéia romântica do Segundo Reinado.
No enredo de O Guarani, Peri é o rei de uma nação gentil que deixou sua mãe, seus irmãos e sua terra para seguir sua divindade branca Ceci. Na batalha pelo coração de Ceci, Peri enfrenta o português Álvaro e o italiano Lorerdano. Vence a valentia, a natureza e a perspicácia de Peri. Álvaro vai ter outra relação inter-racial com Isabel, prima mestiça de Ceci. A medida que Peri vai se tornando herói, ele vai embranquecendo sua alma e adquirindo valores nobres, europeus e católicos. Esta ligeira falsidade pouco convincente do índio de Alencar tinha uma verossimilhança que fez com que o povo da época os aceitassem como perfeitos e os adorassem. O Guarani projetou fortemente o escritor José de Alencar e semeou a idéia da formação de um povo brasileiro baseado na miscigenação.
Alencar muito mais maduro e já um escritor consagrado, retoma a relação índio-branco em Iracema (1865). Enquanto em O Guarani o índio se relaciona com a branca, em Iracema ocorre a inversão, com a personagem indígena feminina. Iracema, a virgem dos lábios de mel ou a virgem do sertão, deixa seu povo, os Tabajaras, para seguir seu amor por Martim, o guerreiro branco português. Enquanto Martim é uma metonímia do povo português, do europeu, do civilizado e do mundo branco, Iracema representa a natureza exuberante. Iracema tem a sensibilidade e a fragilidade da natureza, é pura e perfeita. Alencar descreve de maneira poética as qualidades que fundem Iracema e a natureza: “seu lábio é de mel, seu cabelo é como a asa de graúna, seu hálito é doce como a baunilha, seu talhe é de palmeira, seu andar é mais rápido que o da ema selvagem”. Alem disso Iracema é um anagrama da palavra América, tornando o romance uma excelente alegoria do contato entre a Europa e a América e principalmente a devastação da América pela Europa.
Iracema é também chamada pelo próprio autor como Lenda do Ceará. Além de representar muito bem as tribos primitivas cearenses como os tabajaras do sertão e os pitiguaras do litoral, Alencar descreve muito bem a geografia de sua terra natal, citando rios, montanhas, plantas e animais. Martim e Iracema têm um filho, Moacir, o filho da dor, que representa o primeiro cearense: a criação de um povo pela mistura de raças. Gilberto Freyre vai, no início do século seguinte, enaltecer esta miscigenação de raças na formação do povo brasileiro, mas Freyre acrescenta o negro, elemento raro na obra de Alencar. Em 1843, o recém criado Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, idéia do Imperador, premiou o ensaio de Karl Friederich Phiipp Von Martius: How the Histoty of Brazil Should be Written, onde o naturalista alemão que o Brasil “nunca deve perde de vista os elementos que lá contribuíram para o desenvolvimento do homem. Esses elementos diversos vêm de três raças (...) a população atual consiste em uma mistura nova, cuja história, portanto, tem uma marca particular.” Este ensaio, que pode ter influenciado Alencar, continua acrescentando que esta mistura faz muito bem aos nativos principalmente pela introdução do sangue branco nas raças americanas. Alencar tem esta visão de que uma jovem população diferente da européia surge no Brasil, porem desprezando as origens africanas, talvez por ter sido deputado eleito com o apoio dos produtores de açúcar do nordeste que tinham na escravidão uma atividade comercial interessante ou pelo negro ainda não ter influenciado tanto os demais povos como posteriormente iria ocorrer na época e análise de Freyre.
Todos estes elementos regionais que encontramos nas obras indianistas de Alencar já o fazem um dos formadores da literatura brasileira, mas há outro elemento muito importante de sua obra que faz com que podemos classificá-la como ficção de fundação: a linguagem. José de Alencar foi um dos principais criadores da língua literária brasileira, no sentido de praticar ousadias estilísticas e até sintáticas próprias de nossa gente e estranhas ao português falado em Portugal. Alencar escreve em uma língua brasileira que contem elementos do Tupi, certas sensorialidades visuais, propriedades onomatopéicas, descrições de paisagens, plantas e frutas brasileiras. Seu texto é classificado em prosa poética por Machado de Assis que escreve no Diário do Rio de Janeiro: "Tal é o livro do Sr. José de Alencar, fruto do estudo e da meditação, escrito com sentimento e consciência… Há de viver este livro, tem em si as forças que resistem ao tempo, e dão plena fiança do futuro… Espera-se dele outros poemas em prosa. Poema lhe chamamos a este, sem curar de saber se é antes uma lenda, se um romance: o futuro chamar-lhe-á obra-prima”. Este romance em prosa de linguagem livre opõe-se às imitações dos clássicos feitas pelos árcades no período literário anterior. É uma linguagem genuinamente brasileira que faz com que Alencar, junto com sua vasta obra, torne-se o primeiro grande escritor brasileiro, fundando uma literatura original e produzindo uma identidade brasileira que influenciou muito escritores posteriores.
Assinar:
Comentários (Atom)